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Opinião

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Izabel Galvão e Jean-Jacques Schaller

Reparar o irreparável?

Quisemos usar a soma da indenização pelo falecimento de nossa filha numa ação que pudesse trazer o sentimento de que Ines continua agindo

Há pouco mais de um ano, em 23 de julho de 2012, o playground do Grande Hotel São Pedro do Senac foi palco do acidente que tirou a vida de nossa filha Ines, pouco antes de ela completar cinco anos.

O balanço no qual ela se encontrava, durante atividade com os monitores do hotel, desabou e a trava de madeira que sustentava as cadeiras caiu sobre ela, provocando violento traumatismo torácico. Por volta de uma hora mais tarde, no pronto-socorro de Águas de São Pedro, Ines vinha a falecer.

Havíamos chegado ao local na véspera, para uma temporada de uma semana com minha família, tendo escolhido esse hotel por suas instalações confortáveis e de boa qualidade. Como sempre, nessa época do ano, passamos uma temporada no Brasil, aproveitando as férias de verão da França, país onde residimos.

Nascida em Paris, Ines teve uma vida muito intensa e feliz. Filha de um casal franco-brasileiro, se sentia em casa nos dois países, nas duas línguas. Irradiava alegria por onde passava e, com seu jeito maroto, chamava a atenção de cada pessoa que encontrava. Adorava dançar, escutar música e cantar, desenhar, colher e observar flores, aprender sobre as pessoas e sobre o mundo que a cercava. Era muito amorosa, foi muito amada.

Desde o seu falecimento, em meio ao difícil processo de luto, somos atravessados por uma firme determinação em dar sentido a esse trágico acontecimento: "Não é possível que a passagem de nossa filha por esse mundo, tão fugaz mas tão intensa, seja vã!", "O que ela nos ensina?", "Como nos deixar transformar por ela?". Logo tomamos a decisão de mover uma ação civil contra o hotel, convencidos de que um evento dessa gravidade não podia ficar sem punição.

O resultado da perícia realizada no âmbito do processo criminal nos confortou nessa decisão: apontou que, por trás de um balanço bem pintado, havia uma madeira totalmente podre, pronta para desabar.

Mas como a ação civil que moveríamos contra o hotel poderia participar desse processo de construção de sentido em que estávamos engajados? Que deveria ser um meio de apurar responsabilidades e fazê-las assumir sempre nos pareceu uma evidência. Que deveria ter valor de exemplaridade e de prevenção para evitar futuros acidentes da mesma natureza também não nos deixava dúvidas.

Ocorre que a Justiça, frente ao irreparável, prevê como forma de compensação uma indenização pecuniária: uma por danos morais, outra por danos materiais. Mas como nos contentar em trocar a vida de nossa filha por uma soma em dinheiro? Como calcular o prejuízo moral que nos foi causado? Quanto vale a nossa dor?

Foi, então, emergindo a ideia de que queríamos usar a soma a ser obtida mediante a indenização por danos morais numa ação que pudesse nos trazer o sentimento de que Ines continua agindo nesse mundo.

Elaboramos um projeto de criação de um equipamento social a ser implantado num bairro desfavorecido, cuja ação principal é voltada para as crianças, por meio de oficinas de artes (dança, música, artes visuais etc.), no contra-turno do período escolar. Graças ao apoio da Universidade de São Paulo (Faculdade de Educação) e da Universidade Sorbonne-Paris-Cité (Paris 13), o projeto será objeto de pesquisas na área educacional e promoverá ações de formação voltadas para profissionais da educação formal e informal, assim como para jovens universitários.

Recentemente, fomos procurados pela direção do Senac, que manifestou seu interesse em conhecer nossa proposta. Entramos agora numa fase de negociações que, esperamos, seja frutífera e resulte em acordo.

A perspectiva de realizar e fazer evoluir o projeto nos aponta uma espécie de longevidade para nossa filha. Não a traz de volta. Mas, diante do irreparável, nos dá o sentimento que sua vida não foi vã, que ela continua semeando e trazendo frutos.


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