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Opinião

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Ruy Martins Altenfelder Silva

Ciência e bioética

É necessário reunir diferentes disciplinas para criar um balizamento ético sobre os problemas criados pelo avanço da ciência

Invasões a centros de pesquisas reacenderam a discussão sobre o uso de animais em experimentos voltados à área da saúde.

A ação dos protetores das cobaias chegou às faculdades de medicina. Na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, uma aula sobre traqueostomia (procedimento que livrou da morte por sufocação milhões de pessoas) foi interrompida por um protesto em defesa dos porcos usados pelo professor para a demonstração da técnica --aliás, permitida.

A questão não chegará tão cedo a consenso. Mas talvez a mais ampla disseminação de informações corretas por parte dos pesquisadores e uma melhor avaliação das consequências das invasões por parte dos manifestantes permitam estabelecer limites civilizados.

A conciliação evitaria a perda de anos de custosos estudos e o atraso na descoberta de esperados medicamentos que curem doenças letais ou aliviem o sofrimento dos pacientes, humanos e animais. Fundamental seria o conhecimento e o respeito à legislação brasileira, uma das melhores do mundo na área.

Boa parte da excelência desses parâmetros deve-se a uma das muitas contribuições do professor William Saad Hossne, coordenador do programa de bioética do Centro Universitário São Camilo. Mestre em bioética, Saad mergulhou num campo transdisciplinar que envolve a biologia, as ciências da saúde, a filosofia e o direito.

A bioética estuda a dimensão ética dos modos de tratar a vida humana e animal em pesquisas científicas. Em outras palavras, busca aliar uma perspectiva humanista aos avanços tecnológicos, entre os quais despontam temas delicados --e ainda não consensuais-- como clonagem, fertilização in vitro, transgênicos e células-tronco.

Ciclicamente, a questão volta ao debate, pois, como ensina Saad, cada salto da ciência cria problemas éticos que não podem ser resolvidos por apenas uma área. É necessário chamar outras disciplinas para criar um balizamento ético. Sem esse cuidado, a sociedade pode se autodestruir. Recorrendo à generosa partilha de ideias, que o professor promoveu ao longo dos seus bem vividos (e ainda muito ativos) 86 anos, o século 20 foi palco de cinco revoluções: a atômica, a molecular, a das comunicações, a do espaço sideral e a da nanotecnologia.

Agora, já estão aí os sinais de novo salto, resultante da integração dos cinco anteriores no que se pode chamar de tecnociência. A ética da sexta revolução herdará algumas características da bioética, cuja prática implica a livre escolha de valores. Coação, coerção, sedução, exploração ou qualquer mecanismo de inibição à liberdade são fraudes incompatíveis com o exercício ético.

A prática da bioética permite a resolução de conflitos inerentes aos avanços da ciência com o respeito a valores que pautam as grandes conquistas da humanidade: humildade, grandeza, prudência e solidariedade. Saad não prescinde da filosofia. Pergunta: o que faremos com tanto poder concedido pela ciência? A resposta, ele encontrou em Eric Hobsbawm, segundo quem o mundo não melhora sozinho, mas com posturas humanistas e inteligentes, como as adotadas por Saad Hossne ao longo de sua trajetória.


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