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Guilherme Boulos

TENDÊNCIAS/DEBATES

Quando o discurso não convence

A onda de ocupações urbanas intensificou-se. É preciso que o poder público entenda que o problema é estrutural e que ele errou na resposta

Nos últimos meses, ocorreram dezenas de ocupações de terrenos abandonados nas periferias de São Paulo, boa parte delas de forma espontânea, organizada pelos moradores dos bairros, sem ligação com movimentos organizados.

A reação habitual da prefeitura e do governo do Estado é não negociar de fato com os "invasores". Afirmam que as ocupações atrapalham a política habitacional e que os ocupantes pretendem "furar fila". A Guarda Civil Metropolitana inclusive tem sido usada de forma irregular para realizar despejos em áreas municipais sem ordem judicial.

No entanto, as ocupações só crescem. Depois de ações no Grajaú e Paraisópolis --com destaque para a Ocupação Faixa de Gaza, que reúne mais de mil famílias no Morumbi-- nas últimas semanas ocorreram várias outras na capital. A marginal Tietê foi paralisada duas vezes pelos sem-teto da Ocupação Estaiadinha, que permaneceram um mês acampados na avenida do Estado, após um despejo sem solução habitacional. No fim de novembro, 4.000 famílias fizeram a ocupação Nova Palestina, no Jardim Ângela.

Milhares de famílias organizadas pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) foram à sede da prefeitura, mas Fernando Haddad nem sequer se dignou a recebê-los.

Afinal, o que está ocorrendo? O discurso oficial que criminaliza os ocupantes e sugere finalidades escusas para as ocupações não convence. É preciso entender o problema mais a fundo para se pensar em soluções políticas.

A última década tem sido marcada por um crescimento inédito do capital imobiliário no país. Os terrenos urbanos e os aluguéis passaram por um processo de valorização desregrado, principalmente nas grandes metrópoles. A valorização imobiliária em São Paulo nos últimos cinco anos foi de 184,7% para compra e 90,7% para aluguel (índice Fipe/Zap). No mesmo período, a inflação medida pelo IPCA foi de 35,7%.

Ou seja, o valor dos imóveis subiu mais de cinco vezes e o dos aluguéis duas vezes e meia acima da inflação do período. O mercado passou a capitalizar regiões antes periféricas. É o caso do Campo Limpo, distrito com maior concentração de favelas da capital, em que o valor do metro quadrado dobrou desde 2008. O mesmo ocorreu em Itaquera, na zona leste.

A consequência é que milhares de famílias que viviam nessas regiões não conseguem mais arcar com o valor do aluguel e são colocadas diante de uma dura questão: ou se mudam para regiões ainda mais periféricas, ou ocupam um terreno ocioso no bairro onde moram.

Assim, a ocupação não é uma escolha, mas resultado do desespero e da falta de alternativa. Esse barril de pólvora vinha se constituindo havia anos. As mobilizações de junho mostraram que a organização popular poderia ser uma alternativa. Não à toa, a partir de agosto as ocupações explodiram em São Paulo.

A procura de moradores da periferia pelo MTST aumentou bruscamente. É preciso que o poder público entenda que o problema é estrutural e que ele errou na resposta.

As soluções repressivas só farão aumentar as ocupações. Ou os governos apresentam propostas de política habitacional, disponibilizando terrenos, realizando políticas de desapropriações, ou serão atropelados por um processo cuja dimensão ainda não compreenderam.


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