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Pedro Trengrouse
Clubes podem recorrer à Justiça comum?
NÃO
É dura, mas é a lei
O Poder Judiciário não tem competência para julgar o mérito das decisões da Justiça Desportiva.
Ainda que a interpretação isolada e literal do § 1º do artigo 217 da Constituição levasse à conclusão de que a Justiça comum pode admitir ações relativas às competições, depois de esgotadas as instâncias da Justiça Desportiva, esse entendimento contraria garantias fundamentais não só para o esporte, mas para todo o ordenamento jurídico.
Para alcançar a vontade da Constituição, deve-se interpretá-la de forma sistemática e teleológica. Valores como a livre-iniciativa e princípios como liberdade de associação e autonomia de organização devem pesar na compreensão dos limites da Justiça comum no esporte.
A única exceção ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, segundo o qual sempre que houver lesão ou ameaça a direito não se poderá impedir que o Poder Judiciário, se provocado, aprecie a questão, é exatamente a Justiça Desportiva, e a Constituição é expressa ao estabelecer prazo de 60 dias para uma decisão final nesses casos.
Admitir que a Justiça comum possa rever o mérito das decisões dos tribunais desportivos seria como negar os motivos que levaram o constituinte a estabelecer uma jurisdição própria para o esporte, com um agravante: atrasando o início do processo em dois meses.
A estrutura do esporte mundial é baseada no princípio da não intervenção estatal. A lei de um país não pode alterar as regras esportivas nem a Justiça comum deve se imiscuir nelas. A ingerência estatal põe em xeque a participação do Brasil em competições globais ao expor o esporte nacional à possibilidade de exclusão das entidades internacionais.
O Judiciário deve respeitar as decisões da Justiça Desportiva como faz com a arbitragem, que inclusive trata de questões esportivas nas principais competições do mundo.
De certa forma, o Judiciário age do mesmo modo respeitoso com os juízos de instâncias administrativas como agências reguladoras e o Banco Central, só interferindo em casos extremos. Ademais, o constituinte estabeleceu o fomento às práticas desportivas como dever do Estado. Qualquer medida que as iniba é um atentado à ordem constitucional.
O STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) julgou os casos de Portuguesa, Flamengo, Vasco e Atlético Paranaense de forma positivista. "Dura lex, sed lex" ("A lei é dura, mas é a lei"). No entanto, é evidente que a legislação esportiva brasileira é confusa, paradoxal e anacrônica. O medo e a incapacidade de pensar criticamente e contestar as leis quando não são justas já resultou em atrocidades. Nesses casos recentes, enquanto Portuguesa e Flamengo foram apenados no campeonato de 2013, Vasco e Atlético-PR só o serão em 2014. Embora as decisões tenham sido tomadas conforme a lei, terão sido justas?
A última reforma do CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva) inseriu o princípio "pro-competitione" justamente para garantir a prevalência das competições. Se os julgadores tivessem buscado interpretar a lei sob esse prisma, filigranas jurídicas não poderiam alterar a tabela dos campeonatos.
O envolvimento da Justiça comum coloca em risco o Brasileiro de 2013 e o de 2014. O STJD garantiu às partes o direito à ampla defesa e ao contraditório. Por mais que haja inconformidade com seus julgados, o § 2º do artigo 217 da Constituição é claro: é a decisão final.
Para que haja segurança jurídica, é preciso rever todo o marco regulatório do esporte nacional. Assim como congressistas não podem decidir sobre o número de juízes de uma partida, também não poderiam legislar sobre sanções administrativas das competições. Ao Estado cabe se limitar às políticas públicas.