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Hélio Schwartsman
A matemática é uma ciência?
SÃO PAULO - Na coluna de sábado sobre inflação cósmica, escrevi: "Se a matemática é a rainha das ciências, a física é a princesa". Ato contínuo, leitores me enviaram mensagens contestando a ideia de que a matemática seja uma ciência. Para eles, ela seria mais bem descrita como uma linguagem ou ferramenta.
Sabendo que a questão é controversa, tive o cuidado de não tomar partido, usando a conjunção "se". Mas, já que insistem para que saia de cima do muro, admito: sim, acho que a matemática é uma ciência. Estou em companhia de ilustres... matemáticos, como Johann Carl Friedrich Gauss, que foi quem disse que a matemática era a rainha das ciências.
É claro que ela se distingue das ciências naturais, como a física, a química e a biologia, mas não apenas conserva as principais características mais comumente atribuídas ao método científico --produzir hipóteses que sejam capazes de falsear a teoria que as sustenta-- como ainda está livre de seu principal calcanhar de Aquiles filosófico, que é o problema da indução. Assim, ao contrário das ciências naturais, que podem no máximo nos oferecer verdades provisórias, a matemática é a única nos mune de certezas, daí sua realeza.
Mesmo para quem usa definições de ciência que dão mais peso à empiria, a matemática não pode ser descartada como pura abstração. Paul Lutus defende não apenas que a matemática é uma ciência como ainda sustenta que ela opera com experimentos. Há aqui um pressuposto metafísico que torna a discussão ainda mais interessante. Para Lutus, números e outros objetos matemáticos fazem parte da natureza, seja por subsistirem como formas platônicas, ainda que num mundo apenas imaginário, seja por seu misterioso poder de explicar a realidade. A referência aqui é o físico Eugene Wigner, que, num artigo clássico, se pergunta de onde vem a totalmente inesperada eficácia da matemática nas ciências naturais.