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Ruy Castro

No tamborete ao lado

RIO DE JANEIRO - Um dos motivos para o sucesso da "Revolução dos Cravos", que derrubou a ditadura portuguesa a 25 de abril de 1974 --serão 40 anos na próxima sexta--, foi o segredo da conspiração. Ninguém fora dela poderia saber, ou a Pide, a polícia política, saberia primeiro. Morando em Lisboa havia mais de um ano, eu, como todo mundo, fui surpreendido.

E, no entanto, estive inocentemente perto de alguns dos futuros protagonistas da história. Um jovem oficial do Exército, com quem costumava conversar na pracinha de Campo de Ourique --enquanto nossas filhas, ambas com três anos, brincavam juntas--, sempre mudava de assunto quando eu tentava falar de política. Pouco antes de abril de 1974, desapareceu da pracinha. Meses depois, vi-o, pela televisão, à vontade entre os capitães e majores vitoriosos. Nunca soube seu nome.

Durante o segundo semestre de 1973, o cinema de uma galeria comercial de Lisboa, chamada Apolo 70, promoveu nas sextas à meia-noite um festival Fred Astaire-Ginger Rogers, com os 11 filmes da dupla. Fui a todos e, terminadas as sessões, ia tomar um uísque no bar da galeria. Anos depois, em suas memórias, o brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho, cérebro da revolução, contou que várias reuniões dos rebeldes tinham se dado no bar do Apolo 70 naquelas noites. Eu podia estar no tamborete ao lado --mas como ia saber?

E, logo após o 25 de abril, reencontrei outro conhecido do bairro, também pai de uma amiguinha de minha filha. Bem a seu estilo, começou a se gabar de que estava denunciando pides aos capitães em troca de recompensa. De repente, também sumiu. E só então alguém me falou de uma norma em vigor no novo regime:

"Se denuncias um pide, ganhas 100 escudos [a moeda da época]. Se denuncias dois pides, ganhas 200 escudos. Se denuncias três pides, vais preso por conhecer pides demais".


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