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Ruy Castro

Atracado ao orelhão

RIO DE JANEIRO - Cinco horas num aeroporto fechado por mau tempo --no caso, o Santos Dumont, há uma semana-- permitem, à falta de melhor, um exercício de observação humana. As duas primeiras horas foram de alheamento entre os colegas de espera, cada um por si no nosso portão de embarque. Eu, por exemplo, estava mergulhado em "A Mulher das Quatro Pintas", uma aventura de Shell Scott, detetive americano dos anos 50 criado pelo romancista Richard S. Prather. Não o relia havia décadas.

Se você está lendo Shell Scott, o mundo em volta fica meio irrelevante. Scott é ex-fuzileiro, veterano da Guerra da Coreia e mora em Los Angeles. Tem 30 anos, 1,90 m, 100 quilos, cabelo branco cortado à escovinha e vive engalfinhado com gângsteres e louras. Ele prefere as louras. Ao fim do tempo regulamentar, já surrou e foi surrado pelos bandidos, conferiu as quatro pintas da moça, resolveu o caso e o livro acabou.

Os companheiros começam a consultar o relógio. Mais uma hora e eles se transferem em bloco para o café. Entre uma xícara e outra, ouvem-se as reclamações. O fatigado "Imagine na Copa!" se repete, já prevendo um complô letal entre céus carregados e a velha imprevidência brasileira.

Convencidos de que não voarão tão cedo, todos voltam para o portão e sacam seus celulares. Parece coreografia de Bob Fosse: dezenas de mãos sendo levadas ao mesmo tempo às orelhas. Mas, de repente, os olhos se voltam para uma cena inusitada na parede em frente.

Sou eu, atracado a um orelhão, para informar a Heloisa de que ainda não voei, nem há previsão etc. E logo me dou conta do ridículo. Em nosso tempo, a visão de um sujeito ao quase extinto orelhão deve ser tão insólita quanto a de um pterodáctilo pousando numa pista do aeroporto. Para mim, era apenas coerente com quem estava se deliciando com Shell Scott.


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