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Cicero Galli Coimbra e Walter Feldman
A verdade sobre a "vitamina" D
O tratamento com vitamina D permite que a maioria dos portadores de doenças como a esclerose múltipla retome uma vida normal, ou quase normal
A vitamina D foi assim nomeada quando descoberta, nos anos 1910. No entanto, sua verdadeira estrutura foi identificada duas décadas depois --trata-se de um hormônio esteroide. A manutenção do termo vitamina D, no entanto, ainda hoje provoca confusão entre profissionais da saúde.
A deficiência da vitamina D deixou de ser um problema nutricional e passou à categoria de distúrbio endócrino. Na prática, a produção de quantidades satisfatórias desse hormônio depende da exposição direta da pele aos raios solares UV, e não de uma adequação nutricional.
A deficiência tornou-se uma pandemia devido à drástica mudança dos hábitos de vida, com a progressiva urbanização da população mesmo em áreas tropicais, onde a vida em ambientes confinados e climatizados e o uso indiscriminado de filtros solares tornaram-se habituais.
Hoje cerca de 9 entre cada 10 habitantes do planeta possuem níveis insatisfatórios de vitamina D.
Tradicionalmente, a vitamina D é tida como essencial para o metabolismo do cálcio e para a saúde dos ossos e dentes. Os avanços científicos das últimas décadas descortinaram aspectos surpreendentes --por exemplo, a sua poderosa função anticancerígena e regulatória do sistema imunológico.
Na esteira dessas descobertas ao longo dos anos, surgiram discussões sobre as doses ideais para prevenção ou tratamento. A diversidade de funções biológicas (progressivamente confirmadas por meio da biologia molecular nas últimas décadas) tem gerado a reação irônica e desavisada de que uma "vitamina" seria uma panaceia --capaz de curar ou prevenir todos os males. No entanto, todos os seus efeitos são explicáveis pelos estudos que crescem em progressão geométrica.
Por meio de critérios científicos validados para a comprovação de relação causa-efeito entre eventos associados (os mesmos que levaram à comprovação do tabagismo como causa do câncer de pulmão), milhares de artigos científicos têm apontado sua deficiência como causa ou fator de risco para a ocorrência de aproximadamente cem distúrbios da saúde humana, incluindo 17 tipos de câncer, hipertensão, diabetes, doenças autoimunitárias, cardiovasculares e infecciosas. Na época da internet, nunca a desinformação teve pernas tão curtas.
De nossa parte, o apego aos preceitos básicos da prática médica (em primeiro lugar, não piore a situação; em segundo lugar, proporcione todo o benefício que puder) levou-nos a utilizar, na categoria de terapia inovadora, doses elevadas de vitamina D ajustadas de acordo com a necessidade de cada portador de doença autoimunitária, sob um rigoroso acompanhamento laboratorial associado à dieta específica e hidratação abundante.
Como resultado, a grande maioria dos portadores de doenças como a esclerose múltipla pode retomar uma vida normal, ou quase normal a depender das sequelas acumuladas antes do tratamento.
Nada tão gratificante para quem incorporou aqueles preceitos! Contra fatos, não há argumentação pseudocientífica que se sustente.