Folha de S.Paulo

Rei posto

A abdicação do rei da Espanha, Juan Carlos, 76, em favor do filho, Felipe de Borbón, 46, representa uma tentativa de recuperar o prestígio da família real, abalada por um escândalo de desvio de verbas públicas e desgastada pela crise econômica que castiga o país.

Após 39 anos no poder, o monarca repisa o caminho trilhado pelo papa Bento 16, que encontrou na renúncia uma maneira de restaurar as condições de governabilidade da Igreja Católica, em meio a desavenças internas, desmandos financeiros e grave dano à imagem da instituição.

Não foram os únicos. Em 2013 ocorreram decisões semelhantes na Holanda e na Bélgica.

Vistos em conjunto, os gestos mostram que mesmo instituições milenares e baseadas na estabilidade sentem-se obrigadas, no mundo contemporâneo, a prestar alguma satisfação à opinião pública.

É curioso, ainda assim, que consigam subsistir fundadas em princípios como a vitaliciedade e a hereditariedade do trono, incompatíveis com os axiomas do século 21.

O maior paradoxo, contudo, está no fato de que algumas das sociedades mais avançadas do mundo --tanto do ponto de vista socioeconômico como em relação a valores democráticos (e até republicanos)-- convivem com privilégios nobiliárquicos extemporâneos.

A solução para essa disjuntiva tem sido deixar reis e rainhas em posições decorativas, garantes de um poder simbólico que ainda cativa multidões. Em raras circunstâncias, como foi o caso da própria Espanha, o rei assegura algo mais valioso: Juan Carlos foi decisivo para a consolidação da democracia em seu país após a queda da ditadura de Franco (1939-1976).

No contexto atual, ganham força, em Madri, manifestações pelo retorno da república. Trata-se, por óbvio, da forma de poder mais adequada ao sistema democrático, mas pesquisas de opinião na Espanha revelam apoio majoritário à monarquia --e, a bem da verdade, o país prosperou em todos os sentidos no reinado de Juan Carlos.

Ao que tudo indica, os protestos republicanos não atingirão seu objetivo. No próximo dia 18, o príncipe de Astúrias será proclamado rei da Espanha como Felipe 6º. Sendo assim, que reine com sabedoria...