Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Opinião

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Léo Gerchmann

TENDÊNCIAS/DEBATES

Punição ao Grêmio por ato de torcedores foi justa?

não

Repúdio ao racismo e desagravo

Este artigo é assumidamente um desagravo. Antes, porém, uma ressalva: episódios abjetos, como o ocorrido na Arena do Grêmio, em que bandidos e tolos vomitaram ofensas raciais contra o goleiro do Santos, devem ser coibidos com firmeza, assim como a homofobia e outras abominações recorrentes nos estádios de futebol. Trata-se de crime tipificado no artigo 140 do Código Penal, o da injúria racial. Feita a ressalva, sigamos com o desagravo.

A Justiça Desportiva, ao excluir o Grêmio da Copa do Brasil, desprezou princípio basilar do direito penal, o da pessoalidade da pena (a pena não é transmissível a outrem). Claro, a alegação é a de que os clubes devem adotar estratégias eficazes contra agressões verbais e físicas que até já levaram a mortes dentro e fora de estádios.

O Grêmio, em 2013, elaborou a campanha antirracismo "Somos azuis, pretos e brancos". Na semana passada, enfim, suspendeu a torcida organizada onde havia o foco do comportamento ultrajante.

Todos os clubes devem coibir essas condutas, e talvez o Grêmio tenha servido de exemplo para aumentar o controle sobre a bandidagem inevitável em agremiações de massa. Isso, em tese, é salutar. Mas é cruel e injusto com o clube. A esmagadora maioria dos gremistas, que rejeita essas aberrações, viu-se duplamente punida: primeiro, por bandidos que vestem a camiseta do clube para emporcalhar sua história. Depois, pelo STJD, que condenou milhões pelo barbarismo de meia dúzia. Aliás, um dos auditores que julgaram o Grêmio foi flagrado com posts racistas no Facebook, envolvendo uma criança negra. Hipocrisia asquerosa!

A punição recai sobre um clube cuja diversidade faz parte de sua história. Nada pode ser mais plural que o advento da Coligay. O Grêmio não só acolheu os homossexuais que se juntaram para torcer pelo clube do coração. O clube deu à primeira organizada gay do país espaço para guardar bandeiras, faixas e instrumentos da charanga.

A torcida existiu de 1977 a 1983, quando o líder, Volmar Santos, retornou para sua Passo Fundo. De 1977 a 1983? Sim, no tempo em que a ditadura mantinha uma delegacia de costumes e os torcedores gritavam "vadia" para a mulher que se arriscasse a ir aos estádios.

O Grêmio é o clube com o qual Gilberto Gil simpatiza por ostentar o azul do céu, o branco da paz e o preto da sua pele. Ao contrário do que se diz, foi no Grêmio que jogou o primeiro negro dos grandes clubes gaúchos, Adão Lima, entre 1925 e 1935, época de segregacionismo entranhado na sociedade. Porto Alegre tinha a Liga da Canela Preta, separada dos brancos de Grêmio e Internacional. Desses dois grandes clubes, o primeiro a aceitar a "liga" foi o Grêmio --o Inter teve, mais tarde, o mérito de ser o primeiro a aceitar oficialmente os negros.

Quem conta isso é Lupicínio Rodrigues, na sua coluna do jornal "Última Hora", em abril de 1963. Em "Por que sou gremista", Lupicínio explica um dos motivos: porque ele era negro, como Everaldo, lateral-esquerdo da seleção brasileira de 1970 que se tornou a estrela dourada na bandeira tricolor.

O hino composto por Lupicínio diz "Até a pé nós iremos para o que der e vier" e "imortal tricolor". Raros são os clubes cujo hino traduz tão bem o espírito pelo qual é reconhecido. Fala de humildade, perseverança e superação. São as características que fazem do Grêmio uma instituição amada por milhões e detestada por outros tantos. Indiferença? Em relação ao Grêmio, jamais.

Sim, esse clube, fundado por descendentes de alemães em 1903, foi segregacionista como toda a sociedade brasileira. Mas, pelos seus belos 111 anos, não merece os bandidos que lhe emporcalham a imagem nem uma decisão de tribunal que o etiqueta como racista. O Grêmio e os gremistas não merecem isso.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página