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Opinião

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É Pelé

"Se eu fosse parar o jogo a cada vez que me chamassem de macaco ou crioulo, todo jogo teria que parar", declarou o ex-jogador Pelé ao comentar o recente episódio dos insultos racistas dirigidos ao goleiro Aranha, do Santos, em partida válida pela Copa do Brasil.

Considerando tais hostilidades como algo compreensível dentro da animosidade do jogo, o maior futebolista de todos os tempos acrescenta: "Quanto mais atenção der para isso, mais vai aguçar".

São opiniões remanescentes de um período da história brasileira em que as sensibilidades gerais para o preconceito, e o empenho em combatê-lo, eram menos intensas.

Com todos os exageros que possa haver na luta contra a "incorreção política", o país felizmente avançou muito em detectar, e em enfrentar, os inúmeros sinais de racismo --ora sutis, ora explícitos, como no caso do goleiro Aranha-- que atravessam seu cotidiano.

Se a frase de Pelé surge quase como uma extravagância isolada hoje em dia, impõe-se menos polemizar com o ponto de vista pessoal do craque do que assinalar outro fenômeno, bem mais ambíguo.

Desde a década de 1970, pelo menos --após Pelé fazer a famosa afirmação de que o brasileiro não sabe votar--, colecionar frases inoportunas do jogador tornou-se uma espécie de esporte nacional.

Não haveria nisso algum tipo de satisfação secreta? Muitas opiniões de Pelé são altamente contestáveis. Mas, assim como o público internacional dá mostras de grande apetite pelos deslizes e curiosidades da casa real britânica, parece haver necessidade, entre os brasileiros, de marcar com as tintas do pequeno escândalo todas as escorregadelas de nosso "rei".

A imagem do atleta perfeito ganhou respeito e admiração; talvez, no entanto, tanta superioridade e sucesso tenham inspirado mais ressentimento do que carinho.

Alheio, como declara, a inúmeros aspectos do racismo que hoje se combatem, Pelé concentrou sobre si mesmo, sob o manto de variadas homenagens, um racismo silencioso, quase persecutório, a partir do momento em que obteve destaque infinitamente superior ao de todos os seus compatriotas.

Ao mesmo tempo, por ser negro, talvez tenha havido quem lhe cobrasse uma liderança no debate político e social que não se sentiu vocacionado a exercer.

Não foi Muhammad Ali ou Nelson Mandela; é Pelé. Isso basta, e não falta, no Brasil de hoje, quem possa lutar para que uma verdadeira igualdade racial se estabeleça, ampla e desimpedida, sem ambiguidades nem inquisições.


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