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Betty Milan

Política de Pôncio Pilatos

Quem vencer a eleição presidencial não poderá ignorar a saúde pública e o equilíbrio social, que requerem o direito legal ao aborto

Três mulheres estão disputando a Presidência da República do Brasil. Trata-se de uma vitória impressionante do gênero feminino. Chega a ser inacreditável.

Não houve no passado um acontecimento equivalente à emancipação das mulheres no século 20, que foi o século delas, embora ainda existam no planeta milhões de vítimas do fanatismo religioso, guetos onde as mulheres não gozam dos direitos fundamentais, não são reconhecidas como seres humanos.

No Ocidente, as mulheres têm o direito de ter relações sexuais livres e de controlar a maternidade. Podem optar por ter filhos ou não. Antigamente, morriam ao dar a luz ou, então, bem mais cedo que os homens. Com o progresso médico, a esperança de vida aumentou. Graças aos movimentos feministas, as mulheres tiveram acesso à educação e à vida profissional. Restava conquistar a esfera do poder político e isso está acontecendo.

Há 50 anos, as mulheres no Brasil sonhavam apenas com uma carreira de profissional liberal. O poder político era para os homens e, apesar da revolução sexual, o machismo imperava nas relações pessoais. O nosso imaginário mudou e elas já se candidatam à Presidência.

Mas nem tudo que reluz é ouro, porque, para se eleger, são obrigadas a não se manifestar quanto ao direito ao aborto, ainda considerado crime contra a vida humana pelo Código Penal --salvo quando há risco de vida para a mulher, quando a gravidez é resultante de estupro ou o feto é anencéfalo (por resolução do STF). Como Pôncio Pilatos, as candidatas que lideram as pesquisas lavam as mãos.

Do ponto de vista desse código, a vida que conta é a do feto, e não a da mulher, que a lei obriga a se tornar mãe --como se o desejo de ter um filho não contasse e a realidade social também não. A brasileira não é tratada pela lei como um ser humano, mas como um animal, porque não tem opção. No país inteiro, ainda se morre de aborto provocado, a segunda maior causa de óbito das mães em muitas cidades.

Além de expor à morte as mulheres que se recusam a ter um filho que elas não querem ou não podem ter, o Código Penal é gerador de delinquência. Obriga a dar a luz mesmo quando não há condições de educar a criança e o futuro desta é o mais incerto.

Datado de 1940, esse código precisa ser urgentemente revisto, inclusive porque ele incrimina as mulheres pobres. As ricas têm direito ao aborto, pois em outros países não é crime fazê-lo. Injustiça maior do que essa não existe.

Segundo o Ibope, a maior parte da população é contrária ao aborto, mas o Ibope não estabelece diferença entre ser contra o aborto para si mesmo e ser contra o direito legal ao aborto, que é uma questão de saúde pública e de equilíbrio social. Se a população for esclarecida, o resultado da pesquisa muda.

Quando eu era estudante de medicina, vi no Hospital das Clínicas mulheres com infecção generalizada por terem provocado aborto. Eram curetadas sem anestesia "para aprender a não mais engravidar". Depois de terem atentado contra si mesmas, eram punidas no pronto socorro por médicos contrários ao aborto. Passou-se meio século e as mulheres continuam a ser punidas no Brasil por engravidar contra a vontade --como se fosse possível ter controle absoluto sobre o corpo.

Quem vencer as eleições vai governar por todos e não poderá fazer pouco da saúde pública e do equilíbrio social, que requerem o direito legal ao aborto.


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