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Opinião

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André Klotzel

TENDÊNCIAS/DEBATES

O assunto é: Produção de cinema no país

A política do filme-varejão

A política de fomento de filmes coloca produtores e diretores em um papel semelhante ao de prestadores de serviço dos distribuidores

A atual forma de se financiar o cinema produzido para o mercado de salas de exibição no Brasil é produto de uma visão equivocada sobre o papel dos agentes econômicos. O financiamento da atividade vem sendo deslocado gradativamente do sistema de leis de incentivo para tornar-se centralizado no Fundo Setorial do Audiovisual, controlado pela Ancine (Agência Nacional de Cinema), que é, paradoxalmente, reguladora e fomentadora.

Por meio dos vários mecanismos de fomento, suportes automáticos e fluxos contínuos, a Ancine resolveu que os intermediários devem ser protagonistas do mercado de produção. São os distribuidores --e não mais os produtores-- que têm a primazia da decisão sobre quais filmes financiar. É mais ou menos como se os supermercados decidissem sobre o plantio da agricultura, ou os revendedores de carros determinassem o modelo a ser lançado por uma montadora no ano seguinte.

O resultado dessa política é que os distribuidores, como é de sua natureza, optam por investir nos filmes mais fáceis de vender. Ou seja, produtos de apelo imediato, preferencialmente em coprodução com uma grande rede de televisão, óbvios sob todos os pontos de vista.

Essa política funciona como um estímulo à estratégia de filmes-varejão, com preponderância das comédias em escala, que existem desde a Chanchada e Mazzaropi, até Xuxa e Os Trapalhões. Filmes esses que devem continuar existindo, mas sem a necessidade de uma logística prioritária no financiamento estatal.

A distorção é maior se for levado em conta que nunca se gastou tanto para produzir cinema no Brasil e que, mesmo assim, o atual modelo de financiamento não consegue aumentar a participação dos filmes nacionais nas salas de exibição.

Continuamos na média histórica de 15%, ou menos, sobre o total arrecadado nas bilheterias no país. Até agosto deste ano, o cinema brasileiro obteve medíocres 11,3% de participação na renda total do mercado --um decréscimo de quase 30% em relação aos 16,1% no mesmo período do ano anterior.

Outro fator a ser levado em conta é o processo de concentração. A tendência mundial é fazer grandes lançamentos de filmes no maior número de salas possível e com vultuoso investimento em propaganda.

Essa prática irá aumentar ainda mais com a progressiva digitalização das salas de cinema que, por ser considerada predatória, é economicamente desestimulada em alguns países mais zelosos pela diversidade. No Brasil, a concentração é tal que no ano passado os 20 filmes nacionais de maior bilheteria arrecadaram 95,4% da receita e aos outros 109 filmes coube os 4,6% restantes.

Como acontece com a ciência e a tecnologia, a arte é atividade de intensa inovação. Por isso, se é importante investir em cinema e ocupar esse mercado de relevância estratégica, que seja para estimular uma cinematografia empenhada em buscar formas de associar criatividade a possibilidades de mercado.

Nem na maior indústria de cinema do mundo o setor de comercialização é responsável pelas decisões dos empreendimentos criativos. As grandes empresas norte-americanas são originariamente produtoras de cinema que constituíram seu próprio serviço de distribuição para escoar os produtos, não o inverso.

A atual política de fomento coloca os produtores e diretores de filmes do Brasil cada vez mais num papel semelhante ao de meros prestadores de serviços para atender aos distribuidores. Nessa toada, corremos o risco de ter um cinema brasileiro irrelevante, tanto do ponto de vista cultural como do comercial.


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