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Opinião

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Fabiano Angélico

O assunto de hoje: financiamento público de campanha

Ingênuo achar que isso resolve o problema

Interesses privados achariam outros caminhos. Propor isso é reduzir a relação entre Estado e sociedade a um jogo malévolo. Há outros remédios melhores

Já virou rotina: no período pós-eleitoral, crescem os apelos por reforma política. No ano seguinte, ano ímpar, discussão e tramitação no Legislativo avançam um pouco. Mas quando se inicia o ano seguinte (ano eleitoral), os agentes políticos se esquecem do tema -para retomá-lo imediatamente após as eleições.

O item mais debatido quando se discute reforma política é a proibição das doações privadas e a consequente adoção do financiamento público exclusivo de campanhas.

Argumenta-se que a medida seria um remédio contra a corrupção. Mas a proposta traz uma premissa equivocada e não tem base na realidade.

Uma pesquisa apresentada neste ano no Congresso Internacional de Ciência Política demonstrou que o financiamento público exclusivo é adotado na mesma medida em países com baixa percepção de corrupção e em nações com vários casos conhecidos de malversação: 23% dos países menos corruptos e 20% dos países mais corruptos proíbem doações de empresas a políticos.

Isso significa que tal sistema não está tão associado a baixos índices de corrupção como se esperava.

Além dessa análise empírica, valeria conhecermos melhor as premissas nas quais se baseiam a defesa do financiamento público exclusivo.

O pressuposto é que toda doação privada leva, no mínimo, à facilidade no acesso do empresário/doador ao político eleito e, no limite, à corrupção. Por isso, deve ser proibida.

Além de ingênuo (interesses privados acharão maneiras de se manifestar, mesmo com a proibição do financiamento privado direto), o raciocínio banaliza a relação entre Estado e sociedade, reduzindo-a um jogo de interesses pequeno e sempre malévolo. Não deveríamos vislumbrar o Estado e seus ocupantes como entes ultravulneráveis, sempre incapazes de resistir a interesses menores.

O ideal seria construirmos instituições confiáveis e maduras, capazes de reconhecer e absorver demandas e, num ambiente de abertura e participação, desenvolver medidas de interesse geral.

Na prática, a participação do dinheiro privado na vida política aproxima políticos, partidos e sociedade e tem ao menos dois benefícios potenciais: cria uma rede de simpatizantes e recruta novos membros para a política com mais facilidade.

Evidentemente, seria ingênuo acreditar que, hoje, as coisas funcionam assim no Brasil. É fato que não. É fato que grandes corporações dominam o financiamento político e desequilibram o jogo democrático.

Mas o remédio para esse mal não é financiamento público exclusivo. Um modelo maduro e sustentável de financiamento tem incentivo a doações pequenas, transparência total e um eficaz regime de sanções.

O modelo atual depende quase exclusivamente de doações generosas de grandes empresas. É uma clara distorção. Uma redução no teto permitido poderia minorar isso. E uma medida de isenção tributária poderia incentivar pessoas físicas a doarem.

Como medida pela transparência, convém eliminar as "doações ocultas", que impossibilitam a identificação dos reais doadores. Outra medida importante seria a disponibilização em tempo real (e em formato legível por máquinas) dos dados sobre receitas. Importante também divulgar melhor o financiamento em períodos não eleitorais. Relatórios financeiros de candidatos e partidos poderiam passar por auditoria externa.

Convém ainda fortalecer os Ministérios Públicos Eleitorais e Tribunais Eleitorais, para investiguem e sancionem condutas irregulares.

Não se pode concordar com o atual modelo de financiamento da política, mas a adoção do financiamento público exclusivo não será eficaz contra a corrupção e ajudará tubarões a manterem-se à sombra. O Brasil já está pronto para um debate mais maduro.


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