Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Opinião

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Aldo Pereira

Homo medicinalis

O orçamento do oligopólio multinacional dos remédios supera o da maioria dos países. Afinal, não sai barato adular médicos e burocratas

Ele toma Prozac para elevar o moral, Ritalina para elevar a concentração e Viagra para outras levitações. Logo adiante, ele terá na farmácia de seu banheiro mais drágeas e comprimidos, receitados para doenças degenerativas como reumatismo, hipertensão, diabetes, insuficiências hormonais e disfunções várias. Será, então, assumido dependente de drogas.

Em compensação, viverá mais, não apenas para contentamento próprio, mas também para o dos acionistas da Big Pharma (cognome do oligopólio multinacional dos remédios): quanto mais cada espécime de "H. medicinalis" durar, maior será sua despesa cumulativa e progressiva com farmácia.

Orçamento da Big Pharma supera o da maioria dos países. Afinal, não sai barato adular e persuadir médicos e burocratas que decidem compras estatais de remédio. Nem campanhas como as de convencer o público de que tal comprimido cura gripe e resfriado. (Mesmo que não cure, e mesmo que resfriado e gripe sejam doenças diferentes quanto a sintomas e causas.) E quanto não cobra o lobby já denunciado como ativo na limitação legal da concorrência de genéricos?

Mas não é justo desconsiderar o custo real de combinar segurança e eficácia nos remédios. Leve em conta a loteria de drogas novas buscadas por Big Pharma. Pesquisar, desenvolver, testar e distribuir pode custar milhões de dólares, em geral com retorno que não se inicia em menos de cinco a dez anos. Após os quais, nem toda patente garante lucro, seja pelo advento de sucedâneos mais eficazes e seguros, seja por imprevisto e desastroso efeito colateral duma droga nova.

Na semana passada, a Merck concordou em pagar US$ 688 milhões a investidores queixosos de lambanças com Vytorin, indicado para controle de colesterol.

Tais considerações práticas levam Big Pharma a descartar projetos que, embora menos proveitosos, atenderiam suposto compromisso social com preservação da saúde pública. Exemplo em debate é o relativo desinteresse em pesquisa e desenvolvimento de antibióticos (drogas indicadas para tratamento específico de infecções por bactérias; distintas, portanto, das usadas contra vírus, fungos e parasitas).

Descobrir novos antibióticos se mostra cada vez mais necessário ante o crescente registro de bactérias resistentes aos disponíveis hoje. Por exemplo, as causadoras de tuberculose. Ou a mortífera bactéria KPC, ou "Klebsiella pneumoniæ carbapenemase" ("carbapenemase" é a enzima que resguarda "K. pneumoniæ" contra antibióticos atuais). KPC vem matando gente no mundo desde 1990: faz alguns meses, matou e hospitalizou dezenas de pessoas em Brasília.

KPC é particularmente letal para pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em razão da baixa defesa natural; e, como em exacerbação de perversidade, também representa risco decorrentemente aumentado para o pessoal que atende UTIs.

Big Pharma alega razão plausível para omitir-se no caso: lucro de antibióticos é tipicamente baixo e dura pouco. Com isso, a missão fica para instituições públicas, estas em geral carentes de tecnologia e verba. Exceção: os Institutos Nacionais de Saúde (nome plural, sim) dos EUA, que vêm buscando antibióticos ao custo de mais de US$ 300 milhões, sem falar em riscos: recentemente, pesquisadores dos INS quase morreram infectados por KPC.

Big Pharma deveria colaborar. Ter em conta que preservação de liberdades e eficiência justifica, sim, o capitalismo, mas com a condição de o sistema honrar a responsabilidade social inerente a toda atividade econômica.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página