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País da meia-entrada
Ex-assessor da Fazenda diz em artigo acadêmico que concessão de benefícios a grupos sociais e empresariais impede o Brasil de crescer
Um artigo escrito por um dos principais formuladores da política econômica da primeira metade do governo Lula tem provocado debate no meio acadêmico ao defender a tese de que o Brasil se transformou numa espécie de "democracia da meia entrada".
Escrito em inglês, "Democracy and Growth in Brazil" ("Democracia e Crescimento no Brasil"), dos economistas Marcos Lisboa e Zeina Latif, afirma que a concessão indiscriminada de privilégios a diversos grupos sociais e empresariais freia o crescimento sustentado da economia.
Atualmente um dos diretores do Insper, Lisboa foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda de 2003 a 2006, na gestão do ex-ministro Antonio Palocci. Zeina Latif é sócia da consultoria econômica Gibraltar.
No artigo, eles usam o termo inglês "rent seeking" ("busca por renda") para descrever essa prática que, segundo eles, se consolidou ao longo da história brasileira e acabou ganhando força nos últimos anos, após o fim da ditadura militar (1964-1985) e a redemocratização do país.
"Foi criado um grande mecanismo de transferência de renda de grupo social para grupo social", afimra Lisboa.
O problema do que Lisboa e Zeina definem como "democratização de privilégios" é que essas políticas envolvem custos elevados, e eles tendem a passar despercebidos por falta de transparência e discussão com a sociedade.
Isso ocorre em parte por conta da natureza difusa da prática de concessões a grupos de interesse específicos, um problema apontado na década de 60 pelo economista e cientista social americano Mancur Olson (1932-1998).
Mas essa prática é agravada no caso brasileiro porque a transparência é muito menor, dizem Lisboa e Zeina.
A combinação entre a larga escala e a opacidade das concessões no Brasil contribuiriam para a criação de diversas distorções no ambiente econômico que limitam a capacidade de crescimento.
Os casos de "rent seeking" citados pelos economistas vão dos empréstimos subsidiados oferecidos por bancos públicos a setores empresariais escolhidos pelo governo à política que garante meia-entrada a estudantes e idosos.
Para Lisboa, o grande volume de financiamentos com taxas de juros subsidiadas encarece o chamado crédito livre. Isso pode levar empresas competitivas que não são beneficiadas por subsídios a deixar de tomar empréstimos, o que contribuiria para inibir o investimento privado.
Apesar da falta de clareza sobre os custos dos benefícios, sua existência acaba levando cada vez mais grupos a pressionar o governo para obter vantagens específicas.
O resultado disso é a forte expansão dos gastos do governo, com impacto negativo sobre a inflação e, por conseguinte, sobre o crescimento.
Segundo os dois economistdas, isso ocorreu no Brasil no fim da década de 50 e nos anos 80, forçando a realização de reformas econômicas e a redução de privilégios.
O problema é a tendência de novo ciclo de ampliação da política de "rent seeking" quando o crescimento econômico se recupera. Na avaliaçção de Lisboa, a crise internacional de 2008 alimentou novas pressões pela expansão de subsídios e privilégios.
"A má notícia é que, como antes, esse processo tende a se tornar insustentável", diz. "É o que temos visto recentemente com a inflação e a desaceleração do crescimento."
Os protestos de junho, segundo os autores do artigo, serviram para reforçar essa tendência ao introduzir no debate nacional novas demandas por gastos públicos.