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Análise

Constituição precisa continuar se adaptando

Carta precisa seguir ajustando rumo para realizar seu maior projeto, o de criar 'sociedade livre, justa e solidária'

OSCAR VILHENA VIEIRA ESPECIAL PARA A FOLHA

O sistema constitucional de 1988 tem nos servido bastante bem nestes últimos 25 anos. Fruto de um processo altamente inclusivo, com enorme participação de setores corporativos, mas também da sociedade civil, gerou um texto ambicioso e ubíquo, que entrincheirou os interesses daqueles que se organizaram durante o período da transição. No dizer do ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr., da tanga à toga, todos tiveram seus interesses contemplados.

Este compromisso maximizador gerou uma lealdade constitucional jamais experimentada em nossa história republicana. Embora pretensiosa, a flexibilização dos mecanismos de reforma favoreceu a constante correção de rumo.

As mais de 74 emendas demonstram uma enorme capacidade de adaptar-se às necessidades dos novos tempos, sem com isso desconfigurar o seu cerne (protegido como cláusulas pétreas). Em resumo a Constituição contribuiu para a consolidação da democracia e para uma incremental transformação do país.

Além dos avanços no campo econômico e social, comprovados por diversos indicadores, tem havido uma mudança mais sutil nestas últimas décadas, que a cientista política Maria Hermínia Tavares de Almeida chama de revolução tocqueviliana. O que, em poucas palavras, significaria a ampliação de uma cultura de igualdade e direitos.

Neste sentido, as rebeliões de junho seriam mais uma decorrência do sucesso do projeto constitucional de 1988, do que o seu fracasso.

As rebeliões tendem a ocorrer exatamente quando a elevação dos padrões de justiça e de direitos de uma sociedade entra em choque com a experiência de violação destes mesmos padrões. A instabilidade presente seria, portanto, o resultado de processo de constituição de uma nova sociabilidade. A questão que se coloca é se a Constituição continuará sendo uma boa companheira para que essa sociedade que se transforma navegue num mundo muito distinto daquele de 1988.

A resiliência adquirida pelo nosso constitucionalismo nas últimas décadas indica que sim. Isto significa que a Constituição terá que continuar se adaptando para que consiga realizar o seu projeto normativo mais ambicioso, que é criar uma "sociedade livre, justa e solidária".

Destaco apenas dois campos da vida constitucional que precisam ser revisitados, o que não significa necessariamente alterações profundas na Carta, mas, sobretudo, câmbios de nossa cultura político-constitucional.

Em primeiro lugar, o experimentalismo institucional. A Constituição apostou em 1988, com ajuda do STF, na uniformização do desenho institucional de todas as unidades da federação, por mais distintos que sejam os mais de 5 mil municípios e as duas dezenas de Estados. Com isso reduziu-se enormemente a possibilidade de usar nossa federação, especialmente os municípios, como um riquíssimo laboratório para novas experiências institucionais, que vão da ciberdemocracia, passando pela possibilidade de parlamentarismos municipais, mandatários independentes, até novas formas de gestão de problemas como a segurança pública, saúde e educação.

Por que todas as Câmaras Municipais, polícias, justiças brasileiras têm que seguir o mesmo figurino? Maior experimentalismo e eventual competição de modelos institucionais, quem sabe, nos permita enfrentar velhos problemas não solucionados pelo arranjo de 1988 --como a segurança, bem como novos desafios que surgem, num mundo globalizado, composto por uma geração digital, que funciona em rede e que dispensa muitos dos meios (como partidos, jornais, canais de TV, sindicatos) que estruturaram a ação coletiva no passado.

Da mesma forma, precisamos ampliar e renovar a nossa perspectiva sobre direitos.

Além de encontrar mecanismos mais eficientes para que direitos civis e políticos sejam universalizados, precisamos conceber ferramentas para a proteção da pessoa face aos poderes privados. Hoje a privacidade, patrimônio, integridade moral de crianças, por exemplo, correm muito mais riscos em face de atores virtuais privados do que em relação ao próprio Estado.

Da mesma forma, grandes prestadores privados de serviços públicos ou megaoperadores obras de infraestrutura afetam a vida da comunidade de forma mais contundente que muitas esferas do Estado. Estes são apenas alguns dos desafios do constitucionalismo no século 21.


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