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Reparações a vítimas da violência quitam dívidas de empresas

No Rio, companhias compram precatórios com deságio e usam papéis para abater seus débitos com o Estado

A manobra é legal e estimulou o comércio de precatórios, que movimentou mais de R$ 1,7 bi em dois anos

ITALO NOGUEIRA DO RIO

Indenizações a parentes de pessoas mortas pela polícia do Rio foram usadas para pagar, com desconto, dívidas de empresas com o Estado. A manobra, legal, estimulou o comércio de precatórios no Rio, que movimentou mais de R$ 1,7 bilhão em dois anos.

Nessas negociações, vítimas de violência receberam menos de 60% da indenização fixada pela Justiça. Já as empresas ficaram com o nome limpo na Fazenda estadual desembolsando, em média, um terço da dívida real.

A equação é resultado do programa de recuperação fiscal do governo do Rio, que vigorou entre 2010 e 2012. Para conseguir receber impostos atrasados e ao mesmo tempo reduzir sua dívida, o Estado aceitou precatórios como pagamento. Para estimular a adesão ao programa, ofereceu descontos aos devedores.

Em São Paulo e em outros cinco Estados pesquisados pela Folha não é possível fazer esse tipo de compensação.

Precatório é a ordem judicial emitida ao fim de uma ação na qual o Estado foi condenado a pagar uma quantia. Até o fim de 2013, cerca de 12 mil aguardavam pagamento --alguns esperam há mais de dez anos. A dívida total no Rio era de R$ 3,4 bilhões.

Enquanto aguardavam na fila, credores eram procurados por empresas para vender os papéis com deságio.

"Estava com dívidas. Nós que perdemos familiares é que ficamos no prejuízo. Para as empresas é vantajoso", afirma Vera Lúcia Silva dos Santos, que perdeu oito parentes na chacina de Vigário Geral, em 1993.

Uma das compradoras dos precatórios da chacina foi a Xerox. Em 2010, ela devia R$ 4,8 milhões por atrasos no ICMS --valor que caiu para R$ 2,9 milhões após a adesão ao programa. A empresa quitou o débito com precatórios de cinco parentes de vítimas da chacina. Mas pagou R$ 1,6 milhão pelos papéis, 57% do valor total fixado.

A economia foi de mais de R$ 3,2 milhões --R$ 1,9 milhão em descontos dados pelo governo e R$ 1,3 milhão no deságio dos precatórios.

O comércio não se restringiu a vítimas de violência. Entre os donos de precatórios também estão servidores, com salário ou pensão em atraso, e empresas, que não receberam por serviços prestados ao governo.

INVESTIMENTO

O comércio dos precatórios existe há anos, mas se intensificou com o início do programa estadual. Os papéis são considerados uma forma de investimento: paga-se à vista ao seu titular valor abaixo do real, e aguarda-se na fila o resgate total da indenização.

A lógica do encontro de contas é simples: o Estado abre mão da dívida e, ao mesmo tempo, quita o precatório.

Na prática, as empresas devedoras compraram precatórios para pagar suas dívidas: cerca de 650 empresas pagaram R$ 1,7 bilhão em dívidas com precatórios desde 2010.

Em 2013, o governo decidiu usar parte dos depósitos judiciais para saldar a dívida acumulada. Mas os credores continuam a ser assediados para vender os papéis. Procurado em janeiro para vender seu precatório por 35% do valor, Dorival dos Santos recusou. Instado a fazer contraproposta, o pai de André dos Santos, vítima da polícia, respondeu: "Traz meu filho de volta".


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