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'Por 21 anos nossos sonhos foram calados'

Ontem, em Brasília, a presidente Dilma defendeu os que 'morreram e desapareceram' na luta contra a ditadura

Leia a íntegra do discurso de Dilma Rousseff sobre os 50 anos do golpe de 1964.

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Cinquenta anos atrás, na noite de hoje, o Brasil deixou de ser um país de instituições ativas, independentes e democráticas. Por 21 anos, mais de duas décadas, nossas instituições, nossa liberdade, nossos sonhos foram calados. Hoje, nós podemos olhar para esse período, olhar justamente do ponto de vista dessa obra específica, mas que mostra toda a capacidade e o envolvimento de todas as instituições num clima de democracia. Nós podemos olhar para esse período e aprender com ele, porque nós o ultrapassamos. O esforço de cada um de nós, o esforço de todas as lideranças do passado, daqueles que vivem e daqueles que morreram, fizeram com que nós ultrapassássemos essa época, os 21 anos.

Nós aprendemos o valor da liberdade, o valor de um Legislativo e de um Judiciário independentes e ativos. Aprendemos o valor da liberdade de imprensa, o valor de eleger pelo voto direto e secreto de todos os brasileiros governadores, prefeitos, de eleger, por exemplo, um ex-exilado, um líder sindical, que teria sido preso, que foi preso várias vezes, e uma mulher também que foi prisioneira. Aprendemos o valor de ir às ruas e nós mostramos um diferencial quando as pessoas foram às ruas demandar mais democracia. Aqui, no Brasil, não houve um processo de abafamento desse fato. O valor, portanto, de ir às ruas, o valor de ter direitos e de exigir mais direitos.

Embora nós saibamos que os regimes de exceção sobrevivem sempre pela interdição da verdade, pela interdição da transparência, nós temos o direito de esperar que, sob a democracia, se mantenha a transparência, se mantenha também o acesso e a garantia da verdade e da memória e, portanto, da história. Aliás, como eu disse quando instalamos a Comissão da Verdade, a palavra "verdade" na tradição ocidental nossa, que é grega, é exatamente o oposto do esquecimento e é algo tão forte que não dá guarida para o ressentimento, o ódio, nem tampouco para o perdão. Ela é só e, sobretudo, o contrário do esquecimento, é memória e é história. É nossa capacidade de contar tudo o que aconteceu.

O dia de hoje exige que nós nos lembremos e contemos o que aconteceu. Devemos isso a todos os que morreram e desapareceram, devemos aos torturados e aos perseguidos, devemos às suas famílias, devemos a todos os brasileiros. Lembrar e contar fazem parte, é um processo muito humano e faz parte desse processo que nós iniciamos com as lutas do povo brasileiro, pelas liberdades democráticas, pela anistia, pela Constituinte, pelas eleições diretas, pelo crescimento com inclusão social, pela Comissão da Verdade, enfim, por todos os processos de manifestação e de ampliação da nossa democracia que temos vividos ao longo das últimas décadas, graças a Deus.

Um processo que foi construído passo a passo durante cada um dos governos eleitos depois da ditadura. Nós reconquistamos a democracia à nossa maneira, por meio de lutas e de sacrifícios humanos irreparáveis, mas também por meio de pactos e acordos nacionais. Muitos deles traduzidos na Constituição de 1988. Como eu disse na instalação da Comissão da Verdade, assim como eu respeito e reverencio os que lutaram pela democracia, enfrentando a truculência ilegal do Estado, e nunca deixarei de enaltecer esses lutadores e essas lutadoras, também reconheço e valorizo os pactos políticos que nos levaram à redemocratização.

A grande Hannah Arendt escreveu um dia que toda dor humana pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história. A dor que nós sofremos, as cicatrizes visíveis e invisíveis que ficaram nesses anos, elas podem ser suportadas e superadas porque hoje temos uma democracia sólida e podemos contar nossa história.

Como eu disse, neste Palácio [do Planalto], repito. Há quase dois anos atrás, quando instalamos a Comissão da Verdade, eu disse: se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulos, se existem túmulos sem corpos, nunca, nunca, mas nunca mesmo pode existir uma história sem voz. E quem dá voz à história são os homens e as mulheres livres que não têm medo de escrevê-la. E acrescento: quem dá voz à história somos cada um de nós, que no nosso cotidiano afirma, protege, respeita e amplia a democracia no nosso país. Muito obrigada.


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