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Janio de Freitas

Isso é que é Justiça

A impunidade gritada nas ruas tem duas fontes: os fatos objetivos para motivá-la e o Judiciário para completá-la

Um componente comum a quase todas as manifestações públicas e reações a ocorrências violentas é o protesto contra a impunidade. Assim genericamente mesmo, por uma razão simples e forte: a consciência coletiva de que a impunidade cobre todos os níveis e formas de poder sobrepõe-se à necessidade de especificações. Valem mais a garganta, o braço e o fogo, juntos ou separados.

Apesar de outros serem os alvos dos protestos, é no Judiciário que se consuma a impunidade. Atribuí-la aos recursos de defesa, aos inquéritos policiais malfeitos, às insuficiências do Ministério Público e à quantidade de processos são verdades que nem por isso são justificativas. Há incontáveis comprovações da diferença de produção entre juízes e entre tribunais; de comodismo e de incompetência que se curvam a procedimentos protelatórios; de magistrados, eles próprios, que retêm processos por anos intermináveis, inclusive no Supremo Tribunal Federal, frequentemente com um simples "pedido de vistas" cuja intenção não se precisaria adivinhar. O Supremo mesmo é um museu de processos que esperam julgamento.

A impunidade gritada nas ruas tem duas fontes: os fatos objetivos para motivá-la e o Judiciário para completá-la. Diante do clamor público, porém, esse culposo Judiciário é um corpo inerte, sem iniciativa, sem nervos, sem sensibilidade. Até hoje, dispensa-se de reconhecer e de atirar-se ao problema, com o muito que pode fazer. Os governos recebem todos os petardos, e os aceitam como se fossem os únicos causadores do clamor público contra a impunidade.

É a tal Judiciário que desejo saudar, diante dele me curvo em reconhecimento a mais um feito grandioso: o Judiciário condenou, no Pará, o principal acusado de um crime de morte. Não, de mortes. Cinco. O principal acusado chegou a estar preso, mas o Superior Tribunal de Justiça soltou-o, para esperar o julgamento em liberdade. Por acaso, ele fugiu, e, como gosta de São Paulo e seu nome naquela altura não lhe convinha, viveu muito bem entre os paulistanos e com outro nome.

O crime? Bem, foi o sequestro de quatro agricultores, assassinados a tiros depois de dois dias de torturas terríveis, cujos corpos foram amarrados juntos, com pedras como lastro, e jogados em um rio. Assim quis fazer o fazendeiro Marlon Alves Pidde, assim foi feito. O ano? Esses pormenores não importam muito, mas vá lá: foi em 1985. Aquele em que a ditadura ruía, e começava a retomada da democracia. Desde então, um dos coautores, embora condenado, já se livrou da prisão, por seus 70 anos. O fazendeiro Marlon logo chega lá também.

Na Comissão Interamericana de Direitos Humanos há um processo contra o Brasil, considerando o que passou no Judiciário a propósito do crime. Talvez alguém ache, por lá, que 29 anos sem julgamento equivalem a impunidade. É que lá fora costumam ter certa má vontade com o Brasil. Mas, podemos ter orgulho, um Judiciário que leva 29 anos para julgar um crime monstruoso não é para qualquer país.


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