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Janio de Freitas
Divididos pelo fogo
De repente, nos vemos campeões mundiais: os maiores piromaníacos do mundo. A tocha é nossa
Nem sabíamos ser portadores de tal qualidade, mais uma entre os originais talentos brasileiros, e, de repente, nos vemos campeões mundiais: os maiores piromaníacos do mundo. Os americanos, sempre gananciosos, propagaram a imagem da sua Estátua da Liberdade, com a tocha erguida. Mas a tocha legítima, de fogo mesmo, essa tocha é nossa. A deles, quando muito, pode simbolizar as fogueiras que acendem com suas guerras pelo planeta afora.
As glórias têm o traço comum, que repetem no correr dos tempos, de se acompanharem de inconvenientes. Nossa consagração como piromaníacos inigualáveis já trouxe o seu: tornamo-nos uma sociedade dividida entre incendiários e perplexos. No sentido mais vernacular, mesmo: perplexos = em dúvida, atônitos, sem ação.
Quem não está carregando combustível e isqueiro, coquetéis-molotovs ou pneus, pergunta-se o que é isso que está acontecendo no país, o que deve ser feito diante disso? E não tem nem ouve resposta. A polícia não pode dar a sua, porque violência só se deixa conter por violência, e a polícia pode recebê-la, mas não pode usá-la, por numerosos motivos.
Diz-se que a saída está na educação. Para quando? E são multidões carentes de educação, grande parte porque nem a buscou, abandonando a escola sem estudar ou frequentando-a por algum tempo para receber a refeição inexistente em casa. Há, sim, métodos de educação social, velozes na execução e em muitos resultados. É a educação em massa para favorecer a urbanidade. Mas seus instrumentos eficazes são a TV e o rádio, por meio de técnicas publicitárias. Mas quem cobrará da TV e do rádio que se interessem pela função social que lhes é determinada pela legislação?
Caso o pessoal do "não vai haver Copa" faça uma concessão, e, apesar disso, o país campeão da piromania não seja campeão de futebol, já temos outro brado de vitória: em vez de "a Copa é nossa", entra "a tocha é nossa".
De um ou de outro jeito, perplexos venceremos.
O DE SEMPRE
Deve ser efeito da fumaça sobre as mentes. É simplesmente grotesco o alarde Mantega/Mercadante, com a negação do primeiro à retenção anti-inflacionária de tarifas e preços, citada pelo outro. De 1930 para cá, que governo brasileiro não fez o mesmo?
E não só tarifas e preços entraram nesse jogo convencional. O salário mínimo, vencimentos do funcionalismo (oito anos de arrocho no governo Fernando Henrique), a sonegada quota da Previdência governamental, a correção do Imposto de Renda, e por aí afora.
OS IMPUNES
Mesmo com muita admiração pela juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, que decidiu não haver prescrição no caso Riocentro, por ser qualificável como crime contra a humanidade, é precipitada a ideia de que se inicia, ao fim de 33 anos, um processo de justiça contra aquela tentativa militar de assassinatos em massa. É certo que haverá recursos dos réus às instâncias judiciais superiores. O que não surpreenderá caso resulte, outra vez, em arquivamento.
Já se viu de tudo nesse caso. O que faltava a juíza da 6ª Vara Federal Criminal deu agora: uma oportunidade à decência da Justiça.