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A força do mito

Circunstâncias da morte e ligação com o venerado Arraes podem tornar Campos alvo de devoção

FABIANO MAISONNAVE ENVIADO ESPECIAL A ÁGUA PRETA (PE)

Era o fim de tarde na sexta-feira (15), dois dias desde o anúncio da morte de Eduardo Campos em um acidente aéreo. A cortadora de cana aposentada Maria Delmira da Silva, 81, porém, ainda não havia parado de chorar.

"Aqui todo mundo gosta dele. Quem não gosta é quem não presta", sentenciou, na sua casa de paredes verdes de alvenaria e teto sem forro.

Mãe de 29 filhos ("faltou um para empatar 30"), a ex-cortadora mora em Água Preta (130 km do Recife), cidade de cerca de 30 mil habitantes. A região, produtora de cana, é um bolsão de devoção quase religiosa a Miguel Arraes, governador do Estado por três mandatos entre 1963 e 1999 --e, nos últimos dias, lembrado principalmente como o avô materno de Campos.

Delmira é defensora incondicional do "doutor Arraes", cujo governo "foi bom para os pobres e para as crianças". Ressaltou que o marido estava entre os milhares de cortadores beneficiados com o programa Chapéu de Palha.

Criado em seu segundo mandato como governador (1987-90), o programa distribuía renda a desempregados durante a entressafra da cana.

Quando Arraes morreu, em agosto de 2005, a aposentada pendurou um retrato dele no quarto. Agora, pede à filha uma foto de Campos.

"Achava tão bonito quando ele olhava para as pessoas com aqueles olhos azuis", disse Delmira, chorando.

Embora em menor grau, a idolatria a Arraes está presente também no Recife. No barraco do catador de caranguejos Severino Barbosa da Silva, 61, em meio ao manguezal, apenas o retrato do líder esquerdista e um crucifixo adornam a parede de zinco.

"Considero ele meu pai, foi quem encheu a minha barriga", disse.

A carreira política de Campos começou pelas mãos do avô. Seu primeiro cargo público foi o de chefe de gabinete de Arraes, em 1987.

Governador de Pernambuco entre 2007 e abril deste ano, quando se licenciou, Campos incentivou a ligação com o avô. Ao assumir o Estado, por exemplo, uma de suas primeiras medidas foi relançar o Chapéu de Palha.

O enterro, neste domingo (17), reforçará os laços --avô e neto ficarão sepultados no mesmo jazigo.

"Arraes é um mito, e mito não morre nem é substituível, pertence à memoria popular", afirma o cientista político Hely Ferreira, da Universidade Federal de Pernambuco. "Eduardo não é mito, mas herdeiro político do avô."

Sobre o futuro, diz que as circunstâncias da morte de Campos "fazem pensar que possa surgir uma devoção", mas crê que não há um herdeiro político visível: "O Estado está órfão dos Arraes".

Silva, à sua moda, "concorda": "Tô perdido, tô na maré sem barco".


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