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Índios temem exploração de petróleo no Vale do Javari

Reserva indígena no Amazonas fica próxima a área arrematada pela Petrobras

Matsés relatam que atuação da petroleira durante os anos 80 trouxe doenças e mortes para a região

RUBENS VALENTE NO VALE DO JAVARI

"Nossa guerra é com flecha. Todo dia a gente está conversando aqui nas aldeias. Escreve para eles ver, não queremos petróleo. Não aceitamos isso. Fala para eles que Cashispi falou isso. Que é para não entrar na área, que nós vamos flechar."

Tumi Cashispi, índio matsé que afirmou ter 70 anos de idade, se disse assustado com as notícias passadas por conhecidos de que a Petrobras vai começar a explorar gás e petróleo numa região ao sul da terra indígena que habita com índios de 12 etnias diferentes, o Vale do Javari, um santuário ecológico na fronteira do Brasil com o Peru e uma das áreas mais isoladas e intocadas do país.

Segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), o Javari possui "a maior presença de povos indígenas isolados de que se tem conhecimento".

Os índios fizeram cinco reuniões para discutir a presença da Petrobras na região. A próxima deverá ocorrer em novembro, no Peru.

Cashispi disse que houve doenças e mortes nos anos 80, quando a Petrobras operou na região.

"Não seria bom Petrobras entrar na área que a gente vive. Tudo que aconteceu, temos medo. Teve até morte, ferida no corpo. Isso pode acontecer de novo."

O líder matsé Waki Mayoruna, que desde o ano passado ajuda a organizar reuniões no Javari para discutir o petróleo, atribui às atividades petroleiras do passado a morte de dezenas de índios.

"Eu não posso deixar petróleo sem respeitar a área. Índio não é a criação de problema, não. Petróleo quer criar problema com aldeia. Jogaram bomba, usaram tambor na água do igarapé. Por isso que eu assusto. [Trouxe] doença grave, índio de barrigão, vomitando sangue, tuberculose. Morreu Anacuá, Uaçá, Rosa, Maria. Morreram tudo assim."

Em setembro de 1984, um grupo de índios da etnia korubo, então isolada, massacrou a golpes de borduna dois funcionários que prestavam serviços a uma empresa contratada pela Petrobras na região do rio Itacoaí. As mortes levaram a Petrobras a paralisar suas atividades na área.

ÁREA DE EXPLORAÇÃO

Passados 30 anos, o governo federal quer tirar do papel planos de exploração em um imenso bloco de 19 mil km² que vai do norte do Acre ao sul do Amazonas. Segundo a Funai, os limites dos lotes ficam a poucos metros de sete terras indígenas, dentre as quais a Vale do Javari.

A bacia foi dividida em nove blocos pela ANP (Agência Nacional do Petróleo), que gastou cerca de R$ 81 milhões com as pesquisas prévias. No leilão, em novembro passado, a Petrobras arrematou o lote mais ao leste da bacia, no Acre. No último dia 26, a petroleira assinou com a ANP o contrato de concessão, que prevê prazo de oito anos para a fase de exploração e 27 anos para a produção.

Segundo a Petrobras, como se trata de uma região de fronteira, o processo teve o acompanhamento do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) do Palácio do Planalto. A estatal diz que o lote não afeta terras indígenas.

Para índios e indigenistas, porém, é indiferente se os poços serão abertos dentro ou fora da terra indígena.

O coordenador regional da Funai no Vale do Javari em Atalaia do Norte (AM), Bruno Pereira, disse que os índios se ressentem da falta de informações da ANP e da Petrobras. "Eles entendem que isso vai atrair milhares de pessoas e vai ter um impacto. E o que tem acirrado os ânimos é que ninguém é consultado."

Segundo o geógrafo Conrado Rodrigo Octavio, coordenador-adjunto do CTI (Centro de Trabalho Indigenista), organização não governamental que atua no Vale do Javari, "certamente haverá uma grande reconfiguração de toda a região no entorno".

"Em toda essa região do Acre também vivem muitos grupos de índios isolados. Haverá fluxo de barcos enormes, intensa movimentação de operários e de helicópteros", disse Octavio.

Em dezembro, a oficial de projetos da OIT (Organização Internacional do Trabalho) no Brasil, Thaís Fortuna, e representantes da Funai estiveram em reunião com os matsés para falar sobre a aplicação da Convenção 169 da OIT, que prevê a consulta aos índios para empreendimentos que afetem seu território.

Os matsés vivem dos dois lados da fronteira Brasil-Peru. Há cerca de dois anos, os índios matsés do Peru expulsaram das aldeias funcionários da petroleira canadense Pacific Rubiales e do governo peruano que procuravam convencê-los a autorizarem obras na região.


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