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'Não sou santo, mas não sou corrupto', diz delator do esquema

Ex-auditor que apontou tráfico de influência em agências diz que guardou dinheiro de propina para reunir provas

Nome de José Dirceu foi mencionado em duas conversas que ele teve com ex-diretor de agência reguladora

Marlene Bergamo/Folhapress
O auditor Cyonil Borges, delator da Operação Porto Seguro
O auditor Cyonil Borges, delator da Operação Porto Seguro
MARIO CESAR CARVALHO DE SÃO PAULO

"Não sou santo, mas não sou corrupto". É esse mantra que Cyonil Borges, 37, repete quando é acusado de ter recebido R$ 100 mil do grupo que foi alvo da Operação Porto Seguro, acusado de tráfico de influência no governo.

Cyonil é um personagem nada linear: ele entregou os R$ 100 mil à Polícia Federal, virou delator e forneceu as informações que nortearam as investigações.

Autor de livros jurídicos, professor de cursinhos preparatórios para concursos, ele atuou na investigação da Unifesp em 2008 que culminou com a queda do reitor.

Em entrevista à Folha, ele diz que nunca tocou no dinheiro para não caracterizar o crime de corrupção. Afirma que só cometeu um "pecado" no caso: ter deixado Paulo Rodrigues Vieira, preso pela PF, se aproximar dele.

-

Folha - Uma procuradora disse que o sr. é um corrupto que não recebeu o combinado.

Cyonil Borges - Respeito a procuradora, mas ela está desestimulando as pessoas de bem a denunciar.

Mas o sr. recebeu dinheiro? O inquérito diz que deixaram R$ 50 mil na sua portaria e o sr. recebeu mais R$ 50 mil dentro de um táxi. Foi assim?

Não aceitei o dinheiro. Há e-mails que mostram que ele liga em casa dizendo que queria me presentear. Eu disse: "Esquece". Fiquei angustiado. Quem não ficaria com os nomes que Paulo citava?

O sr. ouviu o nome do ex-ministro José Dirceu?

O nome do ex-ministro, pelo que tudo indica, foi usado pelo Paulo. O Paulo falou em dois momentos o nome do ex-ministro José Dirceu. Num momento, ele disse que o processo no TCU [sobre a Tecondi, empresa de contêineres] era de interesse do Zé Dirceu.

Paulo citava outros nomes?

Um nome que ele citava, indevidamente, foi o do ministro José Múcio, do TCU. Mas o ministro recusou o processo, alegando foro íntimo. Isso mostra a idoneidade do Múcio. Como ele não conseguiu no TCU, foi para a AGU.

O sr. disse que não recebeu dinheiro, mas os pacotes ficaram na sua casa.

Quem pegou o pacote na portaria foi um rapaz do lava-jato. O Paulo interfonou, às 8h da manhã de um sábado: "Tô aqui com a família. Posso subir?" "Não, não pode".

Quando foi isso?

Em abril de 2010, mais ou menos. Desci do meu apartamento com roupa para correr e o porteiro disse: "Deixaram aqui...". Pego o carro, saio. Peço para o rapaz do lava-jato lavar meu carro e pegar o pacote. Não toquei no dinheiro.

Por que não tocou?

Não sou bandido. Isso poderia caracterizar crime de corrupção passiva.

Você ficou incomodado de ter R$ 100 mil em casa?

Não tinha incômodo. Daí a minha mulher descobre. Ela ficou chateada e pensou outras coisas. Queria depositar. Falei: "Não, isso é dinheiro de cursinho preparatório".

Tipo caixa dois?

Eu não sou santo. Tenho meus pecados, mas não sou corrupto. Alguns cursinhos pagam em dinheiro, por fora.

Algumas pessoas o descrevem como corrupto arrependido.

Para se arrepender, você tem de aceitar. Eu nunca aceitei nada. Eu posso ter o pecado de, num primeiro momento, ter deixado o cara [Paulo] se aproximar. Quando ele passou o dinheiro, eu falei: "Você tá retardado? O que você bebeu, cara?" Ele: "Mas esse dinheiro é particular". Eu falei: "Brother, isso é corrupção". Ele: "Então eu compro isso aqui [R$ 100 mil] em seus livros". Eu falei: "Não tenho livro para isso".

Mas o sr. escreveu um segundo parecer que, aparentemente, atendia à Tecondi.

O primeiro parecer foi totalmente contrário. Aí tem um e-mail em que ele fala sobre o meu parecer, o segundo: "Isso não atende o interesse do grupo". Ele queria que o contrato de arrendamento da área [da Tecondi] fosse renovado. Mas isso era inviável.

Mas o seu parecer abre uma porta para a Tecondi ser beneficiada no TCU, segundo a PF. O sr. diz que houve investimento e o rompimento geraria insegurança jurídica.

Isso não era o que o Paulo queria. O parecer de 2010 era totalmente contrário, mas houve um investimento de cerca de R$ 270 milhões.

O sr. nunca escreveu um parecer por encomenda de Paulo?

Ele pediu que eu lesse um parecer do advogado da Codesp. Falei: "Tá bem escrito".

Por que você recebeu o dinheiro em abril de 2010 e só foi à polícia em fevereiro de 2011?

Eu queria reunir provas. Imagina você chegar na polícia com um pacote de dinheiro e falar: "Entregaram isso na minha portaria". Eu seria preso. Nunca tive mácula na administração pública. Fiz a investigação dos cartões corporativos da Unifesp.


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