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Ribeirão

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Menino da paz

Morto há um mês, o estudante Marcos Delefrate vestia uma camisa branca quando foi a uma manifestação histórica que reuniu mais de 25 mil pessoas; o atropelador foi preso só na última quinta-feira

DANIELA SANTOS DE RIBEIRÃO PRETO

Ele tinha muitos sonhos. Planejava concluir o ensino médio, cursar engenharia mecânica, ajudar a família a sair do aluguel e ter a casa própria. Bastou um carro potente e um homem enfurecido no volante para acabar com todo esse planejamento.

Lutando por um país melhor e pela paz, o estudante Marcos Delefrate, 18, morreu durante a manifestação que reuniu mais de 25 mil pessoas pelas ruas de Ribeirão Preto no dia 20 de junho --a maior já vista na cidade para um ato político que não envolva evangélicos nem marchas pelos direitos gays.

O dia marcou para sempre a vida da família ribeirão-pretana Delefrate, que perdeu o filho único.

Ontem, a trágica morte do estudante completou um mês. Ele foi atropelado pelo empresário Alexsandro Ishisato de Azevedo, 37, que não respeitou a barreira feita pelos manifestantes e jogou o carro em cima de centenas de jovens, atingindo Marcos, mais um rapaz e duas garotas.

Azevedo foi preso na última quinta-feira.

Menino de olhar tímido e sorriso contagiante, Delefrate era amigo de todos, dizem familiares e amigos. E foi considerado um mártir pelos professores do colégio Otoniel Mota, onde fazia o terceiro colegial, e da catequese da paróquia que frequentava com a avó, a Santo Estevão Diácono, no Alto do Ipiranga.

FILHO EXEMPLAR

Para os pais --Maria Rosenilda Conceição Delefrate, 43, e Paulo Henrique Pimentel Delefrate, 42--, é difícil esquecer um filho que estudava, trabalhava e não media esforços para fazer o melhor para a família.

"No velório, uma menina me abraçou dizendo que o Marcos a havia tirado do mundo das drogas", disse a mãe. "Fiquei emocionada, porque não sabia a força que o meu filho tinha."

Além dos amigos, familiares e pessoas comovidas com a tragédia, a calopsita Peter, que está na família Delefrate desde dezembro passado, também sentiu a perda.

Segundo Maria, o pássaro, que falava o dia todo, emudeceu. "O Marcos sempre brincava com o Peter", diz o pai. "Agora ele ficou estranho. Até compramos um companheiro para ele não se sentir sozinho", conta Paulo.

Para a mãe de Marcos, Peter aprendeu a falar a frase "Marcos foi para o céu".

O filho era seu "bebezão", diz. "Perdi um pedaço de mim. Sinto um vazio, uma dor no peito, uma tristeza que não dá para explicar."

Como a Folha presenciou no dia do crime, Maria só soube da morte no pronto-socorro, para onde o filho foi levado após o atropelamento.

"Não queria que meu filho fosse [ao protesto]", disse a mãe à reportagem antes de saber que Delefrate tinha morrido. Só dentro do PS, recebeu a notícia. Foi nesse momento que a Folha ouviu seus gritos de desespero.

Também, às vezes, sente raiva do atropelador. Diz que "a prisão ameniza parte da dor, mas não traz meu filho de volta". Ela quer justiça, mas diz que "o acerto de contas será com Deus".

MÚSICA E ESPORTES

Na casa onde morava, fotos do estudante ocupam os espaços nas paredes da sala e nos porta retratos. No quarto em que ele dormia com os pais, a almofada que ficava em sua cama traz a oração do anjo da guarda: "Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou a piedade divina, sempre me rege, me guarde, me governe e me ilumine. Amém".

Marcos era apaixonado por esportes e por música. Tocava na banda da igreja (ia à missa toda semana) e se apaixonou pelo violão aos dez anos, quando viu o primo Matheus Coluci, 18, tocando suas primeiras notas.

Logo o pai do garoto contratou um professor, e o filho passou a se dedicar à música. O primeiro instrumento foi presente de um vizinho, quando ele tinha entre 14 e 15 anos --era um violão usado, mas se transformou em um troféu até que ele pudesse juntar dinheiro e comprar um mais novo com a ajuda do pai, há dois anos.

Todo sábado, uma roda de amigos se formava na porta da casa de Marcos, no bairro Monte Alegre, para cantar e tocar violão. Ele também dividia o tempo livre com a academia de esportes, onde praticava musculação, e o futebol com os amigos.

Segundo o primo, Marcos não era de balada. Eles se reuniam em casas de amigos para as rodas de música, as partidas de futebol e, depois, compravam pizza ou saiam para comer um lanche.

GAVETA DE LEMBRANÇAS

Marcos não chegou a namorar seriamente. E, de acordo com Maria, esse era um sonho do filho. "No fim das contas, ele era tão amigo das meninas, conselheiro, que tudo terminava em amizade."

O estudante era estagiário na empresa Escandinávia, uma concessionária de caminhões, em Ribeirão, concluía o terceiro ano do colegial na escola Otoniel Mota e fazia um curso técnico no Senac.

"Ele adorava desenhar. Falava que o negócio dele era com engenharia e que queria ajudar a família a ter uma vida melhor", lembra o pai.


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