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Minha História - Márcia Rebordões

Coração ao meio

Advogada que perdeu filho com uma malformação cardíaca rara cria ONG para ajudar outras mães a obter tratamento para problemas congênitos no coração dos bebês

RESUMO A advogada Márcia Rebordões, 41, de Bauru (SP), teve um filho com síndrome de hipoplasia do coração esquerdo --malformação grave em que os bebês nascem com metade do coração. Brigou com o plano de saúde para conseguir tratamento em São Paulo. O filho morreu aos três anos, em 2009, e Márcia passou a lutar por atendimento adequado para bebês de todo o Brasil. Ela é mãe de Victória, 13.

(...) Depoimento a

CRISTINA CAMARGO COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM BAURU

Estava com cinco meses de gestação e a médica suspeitou de algum problema. Um exame detectou a síndrome --o lado esquerdo do coração do Thiago era pouco desenvolvido. Nem imaginava que pudesse existir problema no coração de bebês.

Eu e meu marido ficamos desnorteados. O médico logo falou que ele viveria apenas três dias. Sentimos como uma sentença de morte.

Buscamos informações, mas não encontramos nada animador. No fundo, tinha a convicção de que encontraríamos uma saída. Após um mês, soubemos que existia tratamento no Brasil.

Fomos indicados ao hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo, onde o cardiologista José Pedro da Silva havia tratado crianças que ficaram bem. O plano de saúde disse que não cobriria o tratamento e me encaminhou para São José do Rio Preto, onde também indicaram o José Pedro. O plano entendeu que não dava para arriscar.

Thiago nasceu na Beneficência e foi operado com dois dias de vida. Foram 72 dias na UTI. Via meu filho duas vezes por dia. Chegava perto do berço e o leite escorria, mas ele não podia mamar.

Conheci outras histórias na UTI. Uma mãe de Macapá, grávida, tinha um filho de dois anos lá. Dormia sentada no hospital e tomava banho jogando água no corpo. Aquilo mexeu comigo.

Apesar de ter caído nessa história sem preparo, tinha acesso a informações, médicos, amigos, família. E essas pessoas que vêm de tão longe, sozinhas?

Thiago ficou internado por seis meses e voltamos para casa. Era uma criança feliz. Isso dava a certeza de que estávamos no caminho certo.

Coloquei um site no ar (www.pequenoscoracoes.com) com histórias de crianças que superaram cardiopatias graves. Percebi que não havia apoio para famílias dessas crianças. Algumas precisam brigar por tratamento.

Não queria que outras mães tivessem a mesma dificuldade. Gestantes começaram a entrar em contato. Fiz amizades, nos unimos pela internet e criamos a Associação Pequenos Corações.

Thiago ficou bem até os dois anos. Aí fez a terceira cirurgia e foi se recuperando com sacrifício. Mas após essa cirurgia vivia mais cansado, mais roxinho, teve um atraso no desenvolvimento.

Um dia, acordou tossindo muito e roxo. Fomos para o hospital às pressas. Conseguimos a transferência para São Paulo. Thiago chegou em estado grave, havia sofrido parada cardiorrespiratória em Bauru. Disseram que não havia muito a ser feito --ainda assim, lutou 40 dias.

Aí teve uma hemorragia pulmonar grave. Eu e meu marido tivemos tempo de nos despedir, agradecer por sermos pais dele. Peguei no colo e falei: "Mamãe te ama muito e vai continuar sua missão. Fica tranquilo que não será em vão". Nesse momento, o coração dele parou.

Olhei ao lado e vi um bebê na sala que fazia força para respirar. Estava ali por causa da história do Thiago, havíamos ajudado a família. Era a prova de que a vida continua.

Além de oferecer apoio e orientações sobre direitos e tratamento, queria ter um local para acolher as mães. Em agosto montamos uma casa perto do hospital [Beneficência], com capacidade para 18 mães. É simples, mas aconchegante, como uma família. Algumas mães passam meses com o filho internado e é ali que encontram amparo.

A Pequenos Corações cresceu pelo Brasil. Muitas famílias que ajudamos criaram núcleos, se unem para dar suporte a outras. São mais de 50 voluntários. Contamos com doações, não temos ajuda governamental. Vendemos produtos e fazemos eventos beneficentes.

Há também atendimentos por telefone e pela internet. Ajudamos mais de 3.000 famílias. Sinto que fui preparada para essa missão, Deus me preparou. Estou no lugar certo. Essa sensação não tem o que pague. É uma paz interior grande.


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