Folha de S.Paulo

Ruim

A experiência de ser um cidadão, em público, está a ponto de mudar

MARK HURST DA CREATIVE GOOD

O Google Glass pode mudar sua vida, mas não da maneira que você pensa. Há algo mais que ele torna possível e que ninguém discutiu até agora.

Tomando por base os relatos elogiosos de jornalistas de tecnologia, seria possível imaginar que o aparelho é uma mistura de mochila a jato e varinha de condão: tão bacana, tão criativo, tão irresistível que é inevitável que venha a substituir o decadente e antiquado smartphone.

O problema imediato e mais visível é que qualquer pessoa que use o aparelho fica com uma tremenda cara de nerd, quase um ciborgue.

Excetuado o design cafona, a experiência de uso conquistou grandes elogios. Ver correntes de bits flutuando no ar diante de seus olhos é uma experiência deslumbrante, ao que parece.

E, se tudo isso não bastasse, o Google Glass permite gravar vídeos das pessoas, lugares e acontecimentos em torno do usuário, o tempo todo.

Será que deve ser considerado socialmente aceitável, por exemplo, gravar uma conversa privada com um amigo? Como alguém poderá ter certeza de que não está sendo gravado, em público ou em locais privados?

E é nesse ponto que a história dá uma virada inesperada, em direção de uma ramificação que apequena todas as demais questões: a experiência --não a do usuário, mas a das pessoas em volta.

Em um ônibus, ainda que 50 passageiros não estejam usando o Glass, basta que um esteja para que sua presença e a de outros 49 seja gravada.

Pense nos vídeos gravados por todos os usuários do Glass do mundo, que poderão ser transmitidos ao Google. Se acrescentarmos a isso recursos de reconhecimento facial e o banco de dados de identidades no Google+, a empresa poderia processar os vídeos para tentar identificar todos que aparecem em todas as imagens.

Sempre que você estiver ao alcance de um aparelho Google Glass, você não saberá se está ou não sendo gravado, e mesmo que saiba não poderá fazer coisa alguma para impedir.

E é essa a experiência que o Google Glass cria. Essa é a experiência sobre a qual deveríamos estar pensando. A experiência de ser um cidadão, em público, está a ponto de mudar.