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Luli Radfahrer

Uma casa muito engraçada

Criação de um sistema operacional doméstico é o sonho de gigantes como Philips, GE, Apple e Google

Era uma casa muito engraçada. Tinha teto, mas ele de pouco valia. As lâmpadas, a temperatura e boa parte dos eletrodomésticos eram controlados remotamente para garantir conveniência, conforto e segurança.

Ninguém podia entrar nela, não. Seu alarme digital era um sistema de segurança de padrão empresarial. Sensores e câmaras ligados à internet chamariam a central, o dono, a polícia, os bombeiros, o zelador ou um vizinho caso algo estranho fosse detectado. Da mesma forma que antigamente se deixava a luz acesa para espantar ladrões, a presença na casa poderia ser simulada com lâmpadas, motores e cortinas automáticas. Isso também resolvia o problema de regar plantas e alimentar bichos em uma viagem.

A casa praticamente não tinha paredes. Para se adaptar ao espaço progressivamente reduzido em cidades cada vez mais compactadas, cabia ao controle central simular ambientes de acordo com quem o ocupasse, conforme a atividade realizada. Isso ajudava a poupar energia, melhorar o humor e diminuir a sensação de confinamento.

Mas nem tudo era perfeito. Fazer pipi, por exemplo, demandava um certo desapego. Não por falta de penicos, mas por questões de privacidade. Toda a comodidade resultava de uma negociação com os fornecedores, que subsidiariam os equipamentos em troca de uma coleta de dados pessoais anônimos.

Expansões residenciais dos sistemas de automação industrial, projetos de casas automáticas existem há cerca de um século, com o declínio da oferta de serviçais e o surgimento dos eletrodomésticos, que vieram suprir uma demanda por ajuda nas cidades emergentes.

Vedetes nas feiras mundiais e cenários constantes dos filmes de ficção científica, as tais "casas do futuro" não eram tão simples. A complexidade dos equipamentos, a incompatibilidade dos protocolos e o custo restringiam o sonho ao cenário de mansões e de casas de inspetores-bugiganga.

Diz-se que o futuro é superestimado a curto prazo e subestimado a longo prazo, e com as casas não foi diferente. O surgimento dos microcontroladores, plaquinhas que funcionam como pequenos computadores embutidos em chips, foi o primeiro passo. Parte integrante dos automóveis, implantes medicinais, ferramentas e brinquedos modernos, eles estão cada vez mais simples e baratos. Conectados à rede e controlados por aplicativos em celulares, são a face mais evidente da tão falada "internet das coisas".

Toda essa traquitana parece supérflua, como um dia uma lava-louça o foi. Para quem é jovem, não tem problemas de locomoção e vive em um ambiente cujas variações de temperatura são apenas um incômodo, a robótica doméstica é quase um luxo. O mesmo não pode ser dito de uma população cada vez mais idosa que prefere (ou precisa) se manter independente.

A criação de um sistema operacional doméstico é o sonho de gigantes como Philips, GE, Intel, Cisco, Apple, Google, Samsung e Microsoft, todos na corrida para interligar serviços de armazenamento na nuvem, automação, computação vestível, "big data" e internet das coisas naquela que promete ser a nova fronteira digital.

Mas quem acredita que tudo isso é feito para o bem, sem nenhum interesse mercantilista, vigilante ou escuso, é melhor se mudar para a rua dos Bobos, número zero.

folha@luli.com.br


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