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Turismo

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Entrevista - Elizabeth Becker

Brasil deve optar entre vender soja ou promover ecoturismo

autora de análise crítica do setor de turismo diz que país está só começando a usá-lo como instrumento econômico

FABIANO MAISONNAVE DE SÃO PAULO

O turismo é um polvo com tentáculos que alcançam aspectos da vida tão diversos como a urbanização do litoral, prostituição infantil, conservação de monumentos religiosos e a preservação do ambiente e de culturas étnicas.

A definição é da jornalista americana Elizabeth Becker, que acaba de publicar "Overbooked - The Exploding Business of Travel and Tourism" (lotado - a explosiva indústria de viagem e turismo), uma rara análise crítica de uma das mais importantes e crescentes atividades econômicas.

O livro é resultado das viagens de Becker, ex-jornalista do jornal "New York Times".

Sobre o Brasil, ela elogia Lula por atrair grandes eventos esportivos, mas diz que o país precisa escolher entre exportar soja para a China ou promover o ecoturismo.

A seguir, a entrevista concedida à Folha:

Folha - Quais são as principais mudanças na indústria de turismo desde o fim da Guerra Fria (em 1991)?
Elizabeth Becker - Como disse no título, a indústria está explodindo.
O turismo é uma das grandes indústrias do mundo, mas não tem sido tratado assim. São US$ 6,4 trilhões de contribuição para a economia mundial por ano. Em 2012, chegou-se a 1 bilhão de viagens ao exterior, e uma em cada 12 pessoas está empregada pelo turismo.
É uma enorme indústria, mas a maioria dos países não está à altura do desafio. A desvantagem é que, se você não tratar como uma grande indústria, pode ter consequências. Por outro lado, se for regulada como qualquer outra grande indústria, pode ser uma grande bênção.

Para um país pobre como é o Brasil, quais são bons e maus exemplos?
A França é um bom exemplo. O Brasil tem uma forte cultura e poderia aprender com a França sobre como fortalecer a cultura via turismo, em vez de diluí-la ou eliminá-la. Isso envolve um Ministério da Cultura forte trabalhando com o Ministério do Turismo e líderes locais inteligentes.
O ex-presidente Lula é um dos poucos líderes que entenderam a força do turismo. Sabia como usar o turismo para conseguir empurrar o Brasil para os holofotes, por meio dos eventos esportivos.
Eu vi quando ele convidou representantes do turismo para uma conferência. Falou como o Brasil era o país ideal para a Copa do Mundo e para a Olimpíada. Ele entendeu que, por baixo de tudo isso, estava a indústria do turismo.
Foi revelador, com o desempenho ruim de Barack Obama. Ele não tinha ideia sobre em que estava entrando quando promoveu Chicago para a Olimpíada.

Mas os números de turismo no Brasil não são muito positivos. Foram 5,6 milhões de estrangeiros em 2012. A França atrai cerca de 80 milhões. Por que ficamos para trás?
Porque vocês estão correndo atrás do tempo perdido. Vocês estão apenas começando a usar turismo como um instrumento econômico, enquanto isso tem sido uma grande força na Costa Rica, por exemplo, que está na frente do Brasil, tanto em anos como em emprego de inteligência na área.
Vocês não fizeram tanto. Esses dois grandes eventos esportivos vão mudar isso.
Mas o problema é se o Brasil conseguir demasiado turismo de massa. Nada contra, mas, muitas vezes, se não houver um governo forte, muitos dos lugares bonitos vão ser devastados.

É possível fazer um turismo ao estilo francês num país com tanto problema de violência urbana?
O México está indo muito bem com turismo, apesar da violência. Eu não tenho a resposta sobre violência, mas cada país lida com suas deficiências de forma diferente.
A minha impressão é a de que o Brasil não é bem conhecido. Eu sei que a cultura brasileira é incrivelmente atraente. É só uma questão se o governo vai ou não lidar com o turismo seriamente.
Outra coisa é que não estou segura se o Brasil tem uma posição clara sobre ecoturismo. A Amazônia deveria ser uma enorme atração. Eu não vejo o governo fazendo muito sobre isso. E, em comparação com a Costa Rica... meu Deus!
Eles não tinham relativamente nada e fizeram uma fortuna preservando a natureza, e não acho que vocês estejam fazendo isso.
O que é mais importante: exportar soja para a China ou promover o ecoturismo na Amazônia? Vocês ainda não se decidiram. E se essa decisão não for tomada logo, a oportunidade acaba.

Por que a senhora é tão crítica em relação aos cruzeiros?
Os cruzeiros já foram agradáveis. Era possível parar num porto e ficar vários dias ali e depois continuar.
Hoje, é um arranha-céu com milhares de pessoas, em cabines claustrofóbicas. Quando você sai num porto, tem apenas algumas horas para visitá-lo e então é levado a lojas que têm acordos com as empresas de cruzeiro.
Não é uma viagem ao exterior, é uma viagem de compras. É como estar dentro de um hotel em algum lugar.
As principais empresas têm sede nos EUA, mas registram seus navios fora. Assim, não obedecem às leis ambientais americanas, que exigem sistemas muito melhores para não poluir o mar. E elas também evitam leis trabalhistas, pagando salários miseráveis.
O turista fica num navio lotado, fica com estranhos, sai num porto e em que há outros cruzeiros, portanto, são milhares de pessoas saindo.
Aí, embarca novamente, mas nunca está perto da água. É o que eu chamo de turismo "fast-food". Eles vendem como uma viagem ao exterior, mas não é nada disso.

A senhora diz que o jornalismo se tornou uma extensão da indústria turística. Por quê?
O problema com a reportagem de viagem é que, nos EUA, quando o jornalista cobre um tema, não pode receber dinheiro dessa indústria.
Mas eles recebem dinheiro da indústria do turismo e então nunca escrevem nada crítico. É só: vá para tal lugar, coma isso, faça aquilo. Mesmo no "New York Times". Os jornalistas de turismo estão bravos comigo, mas a verdade é que não existe jornalismo sem crítica.

É sempre os dez melhores, nunca os dez piores. Você pode imaginar escrever sobre cinema e nunca dizer qual filme é bom e qual é ruim?
Em jornalismo de turismo é assim. Nunca dizem que crianças estão envolvidas em turismo sexual ou que os cruzeiros poluem o oceano.

Há cada vez mais turistas chineses no exterior. Eles mudarão a indústria?
Já estão mudando. Novamente, os franceses, que pensam sobre isso mais do que qualquer outro país, estão mudando para acomodar os chineses. Fazem muita pesquisa sobre como eles são, em que querem gastar dinheiro, esse tipo de coisa.

OVERBOOKED - THE EXPLODING BUSINESS OF TRAVEL AND TOURISM
AUTOR Elizabeth Becker
EDITORA Simon & Schuster
QUANTO R$ 76


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