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Turismo

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J. P. Cuenca

Notas de Zagreb

A Croácia tem um 'Google' telefônico: com ele descobri o nome do drinque que mistura vinho e Coca-Cola

Viagens são como contos. Tanto quem os lê quanto quem os escreve espera algo inesperado, a história de uma mutação, um novo destino. Não escrevo sobre turismo, mas sobre viajar, o que sempre esconde a esperança de uma epifania --algo que o guia ou o testemunho do cartão-postal não vai oferecer.

Esse tipo de revelação costuma ser silenciosa. Muitas vezes tarda, oculta pela banalidade do álbum de fotos, das descobertas fáceis, da comparação rasteira entre o país natal e todo o resto. Mas quando acontece, parece ser possível identificar e organizar a história secreta da vida, tirá-la do subterrâneo: narrá-la até pressentir o inesperado.

O deslocamento e o extraordinário criam a impressão de que é mais fácil fazê-lo fora. Não há maior cortina de fumaça que a rotina doméstica --e talvez seja por isso que eu precise viajar tanto.

De madrugada, num bar de madeira numa das artérias desertas de Zagreb, uma jovem professora me conta sobre um aluno de 17 anos que se jogou nos trilhos da estação semana passada. Na manhã do suicídio, os dois conversaram sobre Anna Karenina. A recomendação foi dela e o garoto adorou o livro. Ele sobreviveu, mas perdeu o braço direito.

"Você me faz lembrar dele. Por quê?", pergunta com um meio sorriso no rosto, o olhar perdido como uma escultura.

O caráter eslavo banhado pelo Adriático, uma capital de arquitetura austríaca cercada por bairros-dormitório socialistas, a costa com cidades-cenário de inspiração veneziana como?ibenik: a Croácia é cheia desses contrastes e eu queria estar mais acordado para vê-la.

Escrevo sobre viagens oraculares num país onde existe um oráculo telefônico, uma espécie de Google da época do marechal Tito. Há um número de informações gerais, não do tipo que dá endereços, mas que tira dúvidas sobre tudo. O número local é 0118981 e internacional +385118981 (apenas em croata).

Num almoço alcoólico sob a sombra das árvores do parque nacional de Krka, nosso grupo conversa sobre drinques estranhos, como a mistura de vinho branco com Coca-Cola que estudantes bebem na costa norte do país. Qual o nome? Ligamos. A atendente do Osnovne Informacije pede um momento e crava: Lovranksi.

A mulher daqui nasceu iugoslava, virou croata e, desde julho do ano passado, tem passaporte europeu. Escreve em latim, lê cirílico, é doutora em literatura, toca violino clássico. Fala sobre guerra ou história da arte com a mesma naturalidade com que vira uma cerveja de meio litro. E é linda como uma bailarina num sonho.

Vou à televisão, onde mostram imagens minhas tentando jogar bola num amistoso promovido pe-lo festival que me convida, o FEKP, Festival Europeu do Conto. Ten- to me recuperar do constrangimento quando o âncora da HRT1 pergunta sobre a estreia do Bra- sil na Copa. Como um atendente do Osnovne Informacije eu respondo sem hesitar "Croácia 1 x 0 Brasil". Hoje veremos.


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