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J. P. Cuenca

Caminhada Silenciosa

De cima, o Rio não parece o palco de violações de direitos civis, mas uma cidade estranhamente tranquila

Falamos demais. É o que se conclui ao final da Caminhada Silenciosa, projeto da artista plástica Vivian Caccuri que reúne grupos de 12 pessoas para deambular em silêncio por caminhos pouco explorados de uma cidade. Durante as oito horas do passeio, toda a comunicação é feita por gestos ou escrita. Em pontos estratégicos do percurso --sobre uma casamata abandonada no meio do mato, na nave de uma igreja ou no porão de um edifício histórico--, há paradas para exercícios de escuta ou performances sonoras da artista.

Na semana passada, a caminhada começou na Casa Daros, em Botafogo, e subiu a ladeira do Leme rumo à Vila Militar de Copacabana. Por ali, entramos no morro da Babilônia, onde há um parque aberto em 2013 e ainda pouco conhecido. Entre Leme, Copacabana e Botafogo, o parque municipal Paisagem Carioca oferece vistas únicas para a praia de Copacabana e para o morro da Urca. É raro termos novos ângulos de uma cidade tão fotografada como o Rio de Janeiro, mas daqui se vê a avenida Princesa Isabel de trás, o corredor de concreto da Barata Ribeiro de cima e a praia Vermelha de lado. São perspectivas inesperadas e quase fantasmagóricas de uma cidade infelizmente tão à vontade com seus próprios clichês.

Nosso silêncio amplifica o som dos bambus contorcendo-se ao vento, o canto dos pássaros, o guincho de um mico, a longa trovoada de um avião fazendo a curva no morro. No fundo, como um tapete sonoro, os pneus e as buzinas no asfalto.

Do alto do morro tem-se a perspectiva íngreme do paliteiro recordado por avenidas geométricas no asfalto e, quando chegamos ao Leme, a vista das ruelas sinuosas nas favelas --a gangorra topográfica que mistura tijolo e mata atlântica, onde o homem ainda disputa espaço com a floresta e seus macacos escalando árvores sob círculos traçados no ar por urubus.

Os barracos surgem na paisagem como se fossem semeados ao vento nas depressões que os morros deixam entre si. As ruas os seguem na mesma ordem aleatória. Algumas começam largas como avenidas e acabam estreitas como vielas, dão voltas, circuitos inúteis, resistem à linha reta. Da janela de alguns desses caixotes de tijolo debruçados sobre outros ou sobre o abismo, vê-se a faixa de areia da praia, onde tudo volta a parecer no lugar certo.

De cima, o Rio de Janeiro não parece o palco de violações diárias de direitos civis, mas uma cidade estranhamente tranquila.

Essa foi a 12ª Caminhada Silenciosa. O trabalho já passou por Rio, Niterói e Santiago do Chile. A próxima será em São Paulo, em novembro, e depois Vivian levará sua performance para a Finlândia e a Letônia. Mais informações em facebook.com/caminosilencio.

É recomendável ter um guia para o passeio. O nosso foi o Jair, e você consegue o contato dele e de outros pela Coopbabilônia (coopbabi lonia.blogspot.com.br).

Depois de descer o Leme, ainda passamos por ruas lotadas de Copa, pelo estacionamento de um shopping, por uma igreja e pelo Cassino da Urca. Quando a caminhada terminou, muitos apressaram-se a romper o voto de silêncio. Eu poderia ter ficado calado até hoje.


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