Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Turismo

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Malta sem pressa

Os turistas costumam dedicar só um dia a Malta durante as paradas dos cruzeiros, mas o arquipélago merece mais tempo e atenção; saiba por quê

IGOR GIELOW EM MALTA

Quando a tarde começa a cair em Valletta, a diminuta capital das ilhas maltesas passa por uma transmutação.

As hordas de turistas que passam apenas um dia na maior das ilhas do arquipélago de Malta, vindas de navios de cruzeiro ancorados no Grand Harbour, voltam para seu confinamento flutuante.

As lojinhas de badulaques baratos fecham, os cafés ao longo da central Triq ir-Repubblika (rua da República) perdem o caráter farofeiro.

Agora, no começo do ano, a experiência é potencializada pelo friozinho. As temperaturas entre 10ºC e 18ºC diminuem a rotatividade de navios e os hedonistas atrás das praias e baladas de Sliema, St Julian's e Paceville, vizinhas da capital.

O silêncio das vielas barrocas de Valletta, construídas simetricamente no século 16, evidencia também o fato de que pouco menos de 7.000 pessoas moram lá.

Nesse ambiente quase fantasmagórico, com a iluminação amarelada de vapor de sódio amplificando o "chiaroscuro", a cidade descortina seu charme em caminhadas noturnas sem rumo certo, pontuadas por paradas nos poucos restaurantes e bares abertos à noite.

Malta não é notória por sua culinária, mas quaisquer pratos tradicionais à base de coelho, mais pitadas de inspiração italiana em massas, pães e queijos encorajam reavaliações. Nos bares, a cerveja Cisk faz as honras; já o vinho local deixa a desejar.

A manhã, antes da invasão patrocinada pelos cruzeiros por volta das 10h, evoca a mesma sensação. É possível então ver o azul matizado do Mediterrâneo, explorar as muralhas dos dois lados do istmo em que os cavaleiros da Ordem de São João criaram sua capital-fortaleza após o cerco otomano de 1565.

HISTÓRIA MILITAR

Tendo sido parcialmente destruída durante os meses de bombardeio nazifascista entre 1940 e 1942, Valletta resistiu e tornou-se a pedra da qual os Aliados lançaram a invasão da Sicília em 1943.

A ilha italiana fica a uns 100 km dali, e os bunkers em que o comandante aliado Eisenhower e os lendários generais George S. Patton e Bernard Montgomery organizaram a invasão estão lá, intactos, para serem visitados no Centro de Comando Lascaris.

Uma série de atrações sacia esse turista específico, como o Museu Nacional de Guerra. Há shows sobre o cerco de 1565 e o kitsch do disparo diário da bateria de canhões, com soldados em uniformes coloniais britânicos, no jardim Barrakka.

A presença britânica, que durou de 1800 a 1964, deixou muitas marcas. Umas são pitorescas, como as cabines telefônicas londrinas e o The Pub, onde o ator Oliver Reed bebeu literalmente até morrer durante as filmagens de "Gladiador", em 1999.

Há assim um certo ar decadente de ex-colônia, também, e muitos expatriados sem laços fortes com a terra ou com a cultura, a começar pela língua, que é semita e soa como o árabe (ocupantes entre 870 e 1090), mas usa alfabeto latino e possui elementos do italiano e do inglês.

"Conheço gente que mora aqui há 20 anos e não sabe dar bom dia em maltês", conta Mona Farrugia, dona de uma confeitaria com jeito de enoteca na cidade. Em tempo: bom dia é "bongu" (pronuncia-se "bondjú").

CATÓLICOS E CARAVAGGIO

Há catolicismo por todo lado -94% dos 400 mil habitantes professam a fé. A república, que consiste de três ilhas habitadas (Malta, Gozo e Comino), tem em suas 359 igrejas e edifícios ligados à catolicíssima Ordem de São João seu baú de tesouro.

No centro de todas, a catedral de São João, uma edificação cuja austeridade do exterior parece ter sido pensada para chocar o visitante com o interior luxuriante.

Além de ornamentos incríveis, lá está o maior quadro de Caravaggio, "A Decapitação de São João Batista" (1608). O pintor rebelde ficou por um ano na ilha, fugindo da Itália, mas se envolveu em confusões e acabou expulso, sem suas telas.

Paul Theroux, o brilhante e ranzinza expoente da literatura de viagem do pós-guerra, odiou Malta, o catolicismo onipresente e a "cultura do sul de Londres com a paisagem do Líbano".

Mas ele ficou só cinco horas por lá, quando o navio em que viajava fez uma escala descrita em "Os Pilares de Hércules" (1995). Dê mais tempo e será recompensado.

Mas seja rápido: a renovação da entrada de Valletta, a cargo do arquiteto italiano Renzo Piano, deve ser entregue em 2014, e a cidade será toda reformada para virar Capital Europeia da Cultura em 2018. Ou seja, é questão de tempo para haver mais turistas e uma elevação nos preços, que hoje lembram mais Portugal do que a Itália.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página