Marcel Novaes faz quase épico sensorial sobre Revolução Russa

EDUARDO BUENO
ESPECIAL PARA A FOLHA

DO CZARISMO AO COMUNISMO (muito bom)
AUTOR Marcel Novaes
EDITORA Três Estrelas
QUANTO R$ 49,90 (280 págs.)

E então, num piscar de olhos, cem anos se passaram. Sim, faz um século que John Reed nos tomou pela mão e, com ele e os camaradas bolcheviques, vimos o Palácio de Inverno cair para dar início à primavera do mundo...

Era como se estivessem todos lá: Maiakóvski tocava a flauta feita das próprias vértebras; Eisenstein com uma câmera na mão e mil ideias na cabeça; Rodchenko colando colagens construtivistas nos aposentos do czar; Prokofiev ouvindo coisas, a tanger o violino. Tudo que era sólido desmanchava-se no ar, feito a fumaça do trem que trouxera Vladimir Ílitch.

É tudo verdade: Lênin acaba de desembarcar na Estação Finlândia, em São Petersburgo, e o camarada Trótski inflama a massa proletária num discurso incendiário, ali no comitê dos sovietes. Tudo o que veio antes é jogado agora na lata de lixo da história. O mundo está a ponto de mudar –e mudaremos com ele. Anastácia chora em vão.

John Reed, o jornalista vermelho, testemunha ocular da história, furou a Revolução e entrou na casa do czar pisoteando as espingardas deixadas pelos guardas em fuga.

Seu livro anda por aí em várias edições: é a história em carne viva. Mas, se você quiser (re)lê-lo, ou se acaba de concluir que um século traz consigo "distanciamento" suficiente para entender melhor o que se passou naqueles dez dias que abalaram o mundo, então deve saber que uma excelente introdução ao tema acaba de chegar às livrarias.

Trata-se do ensaio "Do Czarismo ao Comunismo – As Revoluções Russas do Início do Século 20", de Marcel Novaes, publicado pela Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha.

Para quem (ainda) acha que livro de divulgação histórica é superficial ou genérico, aí está um quase épico, breve, leve e sucinto, mas panorâmico como um travelling de... ok, vá lá, de Eisenstein, para nos mantermos soviéticos.

Dos primórdios enregelados de uma Rússia feudal e retrógrada à eclosão da ditadura do proletariado naquele épico inverno de 1917, passando por Ivan, o Terrível, por Catarina, a Grande, por Voltaire e Diderot (eles mesmos), pela guerra e pela paz de Napoleão e de Tolstói, pelas almas mortas e pelas trilhas vivas, por Púshkin e Rasputin, está tudo aqui, num texto compactado e substantivo.

A Rússia dos czares atrozes e dos revolucionários rebeldes, dos escritores inigualáveis, das calúnias e das calamidades desfila em pinceladas rápidas pintando um quadro que parece conduzir inapelavelmente ao outubro vermelho da revolução de 1905 e, dali, ao nascimento de uma nova nação.

Podemos vislumbrá-la enquanto ela se contorce nas dores do parto. Olhando de perto, há quem tenha visto o advento do paraíso na Terra. Talvez por isso, tivesse que ser tão dolorido –talvez por isso, não pudesse dar certo. Afinal, era uma história humana –demasiadamente humana.

Marcel Novaes refoga e mistura os ingredientes. Não carrega nas tintas, nem na malagueta. Mas há odores ("o ar está impregnado da fumaça dos charutos"), há ruídos ("o chão range sob as botas apressadas"), há tiros, há sangue. E, claro, há reflexão: "O legado desse experimento político em grande escala foi, em geral, de destruição e morte".

Do Czarismo ao Comunismo
Marcel Novaes
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Maiakóvski suicidou-se, Eisenstein foi flertar com Hollywood, Rodchenko abstraiu-se e se absteve, Prokofiev preferiu a Califórnia. Para muitos, restou o gulag, e nem todos puderam publicar suas recordações da casa dos mortos.

Assim sendo, no fim das contas, talvez estivéssemos mesmo errados –só que isso não quer dizer que nossos adversários estivessem certos.

Até porque eles continuam fazendo com que a história se repita simultaneamente como farsa e como tragédia. E deixando Anastácia chorar em vão.

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