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10/09/2011 - 14h00

A Turquia na era da internet

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ELIF SHAFAK
ESPECIAL PARA O "NEW YORK TIMES"

"Nós vamos nos casar em breve, minha noiva adora seus romances, se você pudesse tuitar algo especial para nós seria maravilhoso", dizia o e-mail que recebi de um leitor. Os leitores turcos costumavam me pedir para autografar seus livros; hoje eles querem mensagens pessoais no Twitter.

Com 70% da população abaixo de 35 anos, a Turquia é um terreno fértil para a mídia social. Ela está em quarto lugar mundial em número de usuários do Facebook, e os jovens turcos imitam os ocidentais e publicam com avidez vídeos no YouTube, batem papo no Mynet e blogam com paixão.

Reprodução
O portal turco Mynet
O portal turco Mynet

A idade média dos usuários das mídias sociais é de 28 anos, e eles passam em média 32 horas on-line por mês. Em pouco tempo, os 79 milhões de habitantes da Turquia tornaram-se uma das maiores populações on-line do mundo.

A Turquia muitas vezes é citada como inspiração para o Oriente Médio, ou para todo o mundo islâmico. Os modos como a internet se desenvolveu aqui podem oferecer uma nova visão do futuro digital das sociedades muçulmanas em rápida transição. Mas a Tunísia, o Egito e a Líbia poderão ter um discurso livre e aberto, promovido pela internet, depois de anos de regime autoritário? A pergunta que se faz com frequência é se o Islã é compatível com a democracia ocidental. O caso da Turquia leva o debate além: o islã é compatível com a ciberdemocracia?

Analista políticos preveem que a disseminação do uso da internet e das ferramentas de comunicação no Oriente Médio e nos Bálcãs trará maior sensibilidade sobre os direitos humanos, a sociedade civil e a democracia pluralista. Uma população global digitalmente conectada tem menos inclinação para um discurso extremista.

Carl Gershman, presidente da Fundação Nacional para a Democracia, considera a internet "uma influência na promoção da democracia, muitas vezes de maneiras engenhosas e inesperadas, e em lugares distantes do caminho mais trilhado".

A Turquia teve três golpes militares nos últimos 50 anos, e hoje se classifica em 138° lugar no índice de liberdade de imprensa da ONG Reporters Without Borders. Aqui, a web poderia servir como uma importante plataforma democrática e uma ágora cibernética.

Poderia reunir donas de casa e feministas, alevitas e sunitas, curdos e turcos, ou mesmo turcos islâmicos e seculares. Poderia vencer as lacunas social e econômica, introduzir formas igualitárias de interação e superar o conflito ideológico. Os muçulmanos religiosos também são ativos on-line, navegando em sites de comércio eletrônico e procurando parceiros em fóruns de namoro.

O lado negativo da adoção do mundo cibernético pela Turquia, que muitas vezes passa despercebido, são lugares onde a intolerância social e os preconceitos culturais prosperam. A maioria dos usuários busca amigos de mentalidade semelhante, o que torna a interação multicultural uma raridade.

O discurso de ódio é um grande problema no mundo on-line na Turquia, e como atacá-lo sem interferir com as liberdades fundamentais é uma questão a ser resolvida. "O racismo e a discriminação na internet estão muito relacionados ao nível de racismo e discriminação na sociedade", diz Yaman Akdeniz, professor de direito cibernético na Universidade Bilgi em Istambul. O governo recorreu à proibição de conteúdo discriminatório ou violento. Estima-se que 5.000 sites da web foram bloqueados, e muitos desses casos acabaram no Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

A intolerância na internet não é uma grande preocupação para as autoridades, mas a pornografia, sim. No início deste ano, o órgão de vigilância da internet no país adotou novos sistemas de filtragem. Os usuários podiam escolher entre quatro pacotes: familiar, infantil, doméstico e padrão.

Isso gerou preocupações sobre censura, e em maio milhares de pessoas organizaram protestos através da mídia social. Afinal o governo recuou de seu plano de filtragem. Até 22 de agosto, os usuários que quisessem pacotes familiares o receberiam, mas os que quisessem continuar como antes poderiam fazê-lo.

Quando a Turquia suspendeu a proibição de dois anos ao YouTube, no último outono, estava sentindo a pressão social dos sites de mídia. Um dos críticos da proibição foi o presidente e ex-primeiro-ministro turco, Abdullah Gul, que manifestou sua reprovação no Twitter.

A Turquia é um país cheio de conflitos, e estes também se manifestam no ciberespaço. Até agora o mundo on-line foi rápido e complexo demais para a burocracia tradicional administrar. A noção de que a internet reforça naturalmente a democracia pode ser uma visão romântica. A mídia social na Turquia ainda está na infância. O mundo cibernético é um pouco como a lua. Enquanto brilha sobre nossas vidas, também tem um lado escuro que ninguém vê.

Elif Shafak é autora de oito romances, entre os quais "The Bastard of Istanbul", "Black Milk" e "The Forty Rules of Love". Sua próxima novela, "Honor", será publicada em março de 2012.

 

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