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Salles é preservado enquanto desmate acelera em direção ao ponto de não retorno

Ministro, que coleciona desgastes, estava ausente em anúncio de desmatamento no Inpe

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São Paulo

​A única preservação garantida pelo governo federal durante o anúncio da taxa anual de desmatamento na Amazônia é a do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ausente na cerimônia que contou com o ministro Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) e o vice-presidente Hamilton Mourão.

A alta seguida no desmatamento seria mais um momento de exposição negativa para a imagem do ministro, que já coleciona desgastes. Seu poder no comando da pasta, no entanto, continua intacto e, ainda, protegido pelo papel de relações públicas de Mourão, à frente do Conselho da Amazônia.

O vice-presidente reconheceu, em coletiva de imprensa durante o anúncio, que as Forças Armadas não têm papel de fiscalizar, mas de dar apoio logístico aos agentes do Ibama e do ICMBio —órgãos que seguem sob o comando de Salles.

Desde que assumiu o papel de porta-voz para a Amazônia, no início do ano, Mourão tenta transmitir tranquilidade ao anunciar altas em taxas que já eram recorde.

O atual aumento de 9,5% no desmate anual da Amazônia se sobrepõe a uma alta recorde no período anterior, que disparou 34% na transição dos governos Temer e Bolsonaro —o salto superou as oscilações de taxas de desmatamento dos anos 1990, período anterior aos investimentos em políticas de controle ambiental.

Os avanços nas políticas de controle ambiental atravessaram governos FHC, Lula, Dilma e Temer, de modo que desde 2008 o país mantinha as taxas de desmatamento da Amazônia abaixo dos 10 mil km2.

O que acontece agora —com a taxa atual de 11.088 km2 de desmatamento, seguida dos 10.129 km2 no ano anterior —é um retorno acelerado na direção do descontrole ambiental.

No entanto, não podemos voltar no tempo. Existe um outro número que não oscila, mas apenas acumula e marca um limite natural: o desmatamento acumulado desde que o monitoramento foi iniciado, em 1989, chega a 814.025 km2, e ultrapassa 20% do total do território amazônico.

Embora a conta não registre eventuais áreas recuperadas, ela inexoravelmente nos posiciona à beira do abismo, ou exatamente em cima do ponto de não retorno calculado pela teoria de savanização da Amazônia.

Segundo o climatologista Carlos Nobre, a resiliência e a capacidade de regeneração natural da floresta amazônica fica ameaçada a partir da devastação de 20% a 25% do seu território, iniciando um caminho —já reforçado pelas mudanças climáticas — de savanização, quando a Amazônia perde suas características e passa a se parecer mais com o cerrado, com alterações em seu regime de chuvas, no clima, no abastecimento hídrico e também na economia agrícola no restante do país.

Vivemos uma aproximação dos limites planetários em 2020, quando as mudanças climáticas já se impõem como um fator presente e não mais uma projeção, e esse contexto também eleva a preocupação internacional sobre a proteção da maior floresta tropical do mundo.

O recado dado por embaixadores de países europeus, por investidores estrangeiros e até por empresários brasileiros, em diversas reuniões com Mourão ao longo deste ano, foi claro: a taxa de desmatamento precisa cair.

Por mais que os discursos sejam promissores e outros projetos sejam também importantes, o governo sempre será medido e cobrado pelo controle do desmatamento. No Brasil, este é o sinal mínimo de comprometimento com uma política ambiental.

Embora não dialoguem com a sociedade civil organizada, Salles e Mourão ainda terão que explicar aos seus interlocutores do mercado e das relações internacionais como o discurso ao longo de 2020 resultou em uma alta em cima de uma taxa que já era recorde.

A Justiça também aguarda explicações. Além de diversas ações contra a gestão de Ricardo Salles nos tribunais, boa parte iniciada pelo Ministério Público, uma ação no Tribunal de Contas da União também pede investigação sobre a destinação de R$ 60 milhões mensais do Exército para fiscalização ambiental enquanto o orçamento anual do Ibama é de R$ 70 milhões.

Como um aumento exponencial do investimento em fiscalização com a divulgada Operação Verde Brasil 2 resulta em nova alta no desmatamento? A Folha havia revelado em maio que a primeira missão comandada por Mourão mobilizou 97 agentes, dois helicópteros e dezenas de viaturas em Mato Grosso para uma operação que terminou sem multas, prisões ou apreensões.

A taxa de 11.088 km2 de desmatamento anunciada nesta segunda-feira se refere ao período de agosto de 2019 a julho deste ano, abarcando o pico de desmatamento ocorrido entre agosto e setembro do último ano.

O período contou com episódios organizados como o Dia do Fogo, no Pará, e gerou uma crise política de proporções internacionais, cujos embaraços são colhidos até hoje pelo país em forma de cobranças diplomáticas e ameaças de boicotes de produtos brasileiros ligados a desmatamento.

No entanto, a conta assumida por Mourão neste ano não contou com nenhum alívio. Tão logo o bioma voltou ao período seco, em maio, os alertas de desmatamento voltaram a se aproximar dos números do ano passado, com "leves altas" em cima de taxas que já eram recorde.

Ou seja, o resultado no acumulado do ano não representava novidade ou surpresa de última hora para o governo, que já vinha lidando com constrangimentos gerados no início do período calculado pelo Prodes.

Enquanto o vice-presidente Mourão insiste no malabarismo de controlar a imagem internacional do Brasil sem exercer o controle ambiental na Amazônia, o projeto antiambiental do governo Bolsonaro segue sem ressalvas. À beira do ponto de não retorno, aceleramos.

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