75% dos brasileiros afirmam que aquecimento global pode prejudicar suas famílias

Em nova pesquisa, 45% dos entrevistados afirmam já ter votado em algum político por suas propostas ambientais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Na percepção de 96% dos brasileiros, o aquecimento global está acontecendo. Para 81%, a questão é "muito importante" e 61% se dizem "muito preocupados". No entanto, apenas 21% consideram conhecer o bastante sobre o assunto.

Realizada pelo segundo ano consecutivo, a pesquisa de opinião encomendada pelo ITS (Instituto Tecnologia e Sociedade) e conduzida pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) ouviu 2.600 pessoas de todas as regiões do país. As entrevistas foram feitas por telefone entre setembro e novembro do ano passado. A margem de erro é de dois pontos percentuais.

À pergunta "o quanto você acha que o aquecimento global pode prejudicar você e sua família?", 75% dos brasileiros responderam que o fenômeno pode lhes prejudicar muito (contra 72% em 2020); 13% disseram que o grau de prejuízo pode ser "mais ou menos", 8% responderam "um pouco" e, para 3%, a resposta foi "nada" (que teve 5% das respostas em 2020).

Incêndio próximo ao rio Branco na Reserva Extrativista Jaci-Paraná, em Porto Velho, estado de Rondônia
Incêndio próximo ao rio Branco na Reserva Extrativista Jaci-Paraná, em Porto Velho, estado de Rondônia - Christian Braga - 16.ago.20/Greenpeace

O nível de preocupação é bem distribuído entre as cinco regiões do país, sendo mais alto no Centro-Oeste, onde 79% responderam que o aquecimento global pode lhes prejudicar muito. A resposta foi dada por 70% dos entrevistados no Sul —o número mais baixo entre as regiões.

Entre a população preta, a percepção de que o aquecimento global pode lhes prejudicar muito é mais alta: teve 82% das respostas, contra 78% entre pardos, 71% na população branca e 74% entre os que se identificam com outras raças. O alerta também é maior entre as mulheres: 80% delas responderam que podem se prejudicar muito, contra 70% dos homens.

A resposta também teve mais aderência entre a esquerda (81%) e o centro (78%). Entre os entrevistados que se identificam com a direita no espectro político, a percepção de que podem se prejudicar muito cai para 69% dos entrevistados e fica em 77% entre os que não sabem ou não responderam sobre a posição política.

Na avaliação de Fabro Steibel, direitor-executivo do ITS, a preocupação com o tema ambiental está bem distribuída pelo espectro político, ainda que ela seja levemente mais baixa entre os que se declaram como "mais à direita".

Entre os que se consideram "mais à esquerda", 88% se dizem muito preocupados com o aquecimento global (eram 83% em 2020), o número se repete entre os de centro (eram 85% em 2020).

Nos entrevistados que se declaram "mais à direita", o número é relativamente mais baixo, mas ainda assim majoritário: 75% se dizem "muito preocupados"; em 2020, eles eram 72%.

Entre os que não souberam ou não responderam sobre sua posição no espectro político, 78% se dizem muito preocupados com o clima. O número era de 76% em 2020.

Segundo a diretora de inteligência do Ipec, Rosi Rosendo, a pesquisa indica que a alta preocupação dos brasileiros com o clima atualmente está mais conectada com a vivência de impactos ambientais negativos do que com a discussão geral apresentada pelo noticiário.

"Como exemplo, podemos verificar as respostas dos entrevistados em regiões onde aconteceram queimadas", cita Rosendo.

Nos estados que compreendem a Amazônia Legal, 98% dos entrevistados já ouviram falar sobre queimadas. No restante do país, o número cai para 87%.

Questionados sobre os três maiores responsáveis pelas queimadas na Amazônia, os brasileiros apontaram os madeireiros (76%), agricultores (50%) e pecuaristas (49%). Em seguida, os garimpeiros (43%) e o governo (38%). Indígenas e ONGs também foram apontados respectivamente por 8% e 6% dos entrevistados.

Questionados sobre o que consideram mais importante entre as opções "proteger o meio ambiente, mesmo que isso signifique menos emprego e crescimento econômico" ou "promover o crescimento econômico e a geração de empregos, mesmo que isso prejudique o meio ambiente", 77% dos entrevistados responderam que a proteção ambiental seria mais importante.

Apenas 13% priorizaram o crescimento econômico, e 10% não sabem ou não responderam.

A porcentagem dos entrevistados que responderam priorizar o crescimento econômico em detrimento da proteção ambiental é maior entre a população acima de 55 anos (19%), escolarizados apenas até o ensino fundamental 1 (20%), mais à di reita do espectro político (20%) e ainda entre aqueles que não acessam a internet (27%).

Refutada por estudiosos da sustentabilidade, a dicotomia entre proteção ambiental e crescimento econômico apontada na pergunta faz referência aos discursos mantidos pelo atual governo federal, que defende a diminuição das normas de proteção ambiental.

Para 50% dos brasileiros, quem mais pode contribuir para resolver o problema das queimadas na Amazônia são os governos e, para 21%, os cidadãos. Outros 13% responderam "empresas e a indústria", 9% apostaram nos militares e 4%, nas ONGs.

Para 74% da população, as queimadas não são necessárias para o crescimento da economia e 86% concordam que a prática prejudica a imagem do Brasil no exterior.

Apesar da alta preocupação, o engajamento prático traz números nem tão altos: 75% declaram separar o lixo reciclável e 58% deixam de comprar produtos que prejudicam o meio ambiente.

O engajamento político é ainda mais baixo, porém, vem crescendo: 45% dos brasileiros afirmam já ter votado em algum político por suas propostas ambientais. Em 2020, o número era de 42%.

O voto para candidatos ligados a propostas ambientais é maior entre os entrevistados de esquerda (65%), com ensino superior (55%) e das classes econômicas A e B (51%).

Apenas 17% dos brasileiros já participaram de manifestação ou abaixo-assinado sobre mudança climática —o número é maior entre os que cursaram o ensino superior (33%), mais à esquerda (32%), jovens entre 18 e 24 anos (30%) e de classes econômicas A e B (26%).

Com exceção das perguntas sobre a realidade brasileira, a pesquisa da percepção sobre o clima se baseia em um modelo da universidade americana Yale, aplicado nos Estados Unidos e em dezenas de países.

"Ainda há uma lacuna entre o nível de preocupação e de engajamento, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Se não se organizam para demandar ação política, fica muito mais fácil para o negacionismo [climático] ganhar espaço", afirma o diretor do programa de comunicação sobre mudanças climáticas da Universidade Yale, Anthony Leiserowitz.

No entanto, ele afirma que o agravamento dos eventos climáticos extremos nos últimos anos mudou o posicionamento da sociedade sobre o tema, com impactos claros nas eleições americanas.

"Em 2020, as mudanças climáticas foram a preocupação número dois dos americanos entre 30 outras opções listadas, incluindo pandemia, crimes e economia. Isso teve um impacto profundo nas candidaturas do partido democrata", afirma Leiserowitz. "Isso é um exemplo de que essa não é apenas mais uma questão científica, mas política".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.