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Mudança interna ampliou risco de prescrição de multas ambientais, admite Ibama à PGR

Outras medidas facilitam impunidade de infratores, como a conciliação, que afeta 'fluxo ideal'

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Brasília

O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) admitiu à PGR (Procuradoria-Geral da República) que uma mudança interna, instituída em 2020, ampliou o risco de prescrição de multas aplicadas a infratores ambientais.

Uma portaria de junho de 2020, assinada pelo presidente do órgão, Eduardo Fortunato Bim, instituiu uma equipe nacional de instrução de processos, o que alterou a maneira como os autos de infração são analisados. Servidores passaram a atuar em processos de qualquer lugar do país, e não somente em suas áreas de lotação.

"Sem a colaboração dos estados, em especial para indicar servidores para instrução e julgamento, a capacidade operacional da equipe ficará reduzida e, assim, o risco prescricional aumenta", afirmou o Ibama em documento encaminhado à Câmara de Meio Ambiente da PGR no último dia 12.

O fator de risco de prescrição se soma a uma lista de outras medidas da área ambiental do governo Jair Bolsonaro (PL) que ampliaram a possibilidade de impunidade de infratores ambientais, inclusive aqueles multados já na gestão do presidente.

Madeira apreendida pela polícia no rio Manacapuru, no Amazonas, em julho de 2020 - Ricardo Oliveira - 16.jul.20AFP

Em 13 de março, a Folha revelou que um documento do próprio Ibama aponta risco de prescrição de mais de 5.000 autos de infração lavrados em 2020, o segundo ano do mandato de Bolsonaro. A quantidade equivale à metade dos autos lavrados naquele ano.

Com base na reportagem, a Câmara de Meio Ambiente da PGR cobrou explicações do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite.

O ofício foi enviado pelo coordenador do colegiado, subprocurador-geral Juliano Baiocchi, que deu dez dias para o ministro apresentar explicações sobre o risco de prescrição de multas e sobre recomendações anteriores feitas pela câmara da PGR.

A resposta foi encaminhada pelo presidente do Ibama. Uma nota técnica foi elaborada pela Superintendência de Apuração de Infrações Ambientais.

O colegiado da PGR já havia recomendado alterações no funcionamento da conciliação ambiental, uma etapa criada em 2019 para enfraquecer a fiscalização feita por órgãos ambientais. Esse enfraquecimento é uma bandeira de Bolsonaro, antes e depois de ser eleito presidente.

A conciliação é mais um fator de risco de impunidade de infratores. A medida provocou acúmulo e paralisação de processos, o que potencializa perdas de prazos processuais e a consequente prescrição dos autos.

Um cruzamento de dados feito pela Folha, publicado em 27 de março, mostrou a existência de mais de R$ 1 bilhão em multas do Ibama, aplicadas em 2020, sem encaminhamento a setores de conciliação ambiental. Na lista estão 28 madeireiras autuadas por exploração ilegal de toras da Amazônia, além de centenas de desmatadores, duas siderúrgicas, uma ferrovia e uma estatal.

Na resposta à PGR, o Ibama admitiu que são necessários "ajustes nos procedimentos" de conciliação e que houve "choque na gestão processual, afetando, por vezes, o fluxo ideal".

"O que ocorre, neste momento, é a consolidação de uma etapa e início de um modelo processual baseado em informatização de todo processo, e que não encontra transição fácil dado o nível de defasagem que existia", afirmou o órgão. A conciliação busca tornar o processo mais eficaz, e busca-se o cumprimento das metas, disse.

Além da instituição de uma equipe nacional de instrução e da conciliação ambiental, uma terceira medida do Ibama contribui para a prescrição de processos. O presidente do órgão, num despacho de 21 de março, alterou um entendimento e anulou etapas de processos de infração ambiental. Bim considerou inválida a notificação de infratores por edital para apresentação de alegações finais.

A medida, revelada em reportagem publicada em 30 de março, impacta milhares de processos, segundo técnicos do Ibama. Os atos processuais a serem anulados tornam-se inválidos para interromper a prescrição dos autos, como consta no documento do presidente do Ibama.

Uma quarta medida provocou "sensível redução na efetividade do processo administrativo sancionador ambiental", como apontou a Câmara de Meio Ambiente da PGR numa nota técnica elaborada em setembro de 2021.

Os integrantes do colegiado se referem a uma instrução normativa conjunta do MMA (Ministério do Meio Ambiente), do Ibama e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), de abril de 2021, que regulamenta o funcionamento dos núcleos de conciliação ambiental.

"Essa concentração de poderes/competências nas mãos de um só agente público –que não tem prazo, por exemplo, para análise do relatório elaborado pelo agente ambiental– pode acarretar prejuízo ao regular exercício de poder de polícia dos agentes de fiscalização ambiental", afirmou a nota técnica, que sugere uma readequação dos procedimentos definidos na instrução normativa.

A resposta do Ibama ao colegiado da PGR não deu explicações detalhadas sobre os apontamentos feitos pelos integrantes do MPF (Ministério Público Federal).

O Ibama apontou uma "contínua redução do número de servidores" para compor a equipe nacional de instrução de processos. "A redução se deu, em alguma medida, por conta dos superintendentes que realocavam os servidores para demandas locais."

O órgão ambiental fez concurso público para reforçar o quadro de servidores e "tentará outras alternativas para otimizar o rito do processo sancionador", conforme a resposta à PGR. Entre essas alternativas estão mudanças num decreto de 2008 e na instrução normativa criticada pela Câmara de Meio Ambiente. O órgão não diz que alterações serão essas.

O presidente do Ibama chegou a ficar afastado do cargo por 90 dias, por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal), em razão das suspeitas de favorecimento a contrabando de madeira ao exterior. Bim foi investigado na Operação Akuanduba, deflagrada pela PF em maio de 2021. Ele retornou ao cargo em agosto de 2021.

Bim, num despacho, dispensou a necessidade de autorização para exportação de madeira. O STF derrubou os efeitos do despacho.

O então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também foi investigado por suspeitas de crimes no envio de madeira da Amazônia para EUA e Europa. Ele pediu demissão do cargo no mês seguinte à operação policial. Salles foi o responsável pela indicação de Bim ao cargo de presidente do Ibama.

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