Ações do governo Bolsonaro chegam a apenas 2% dos garimpos na terra yanomami, e faltam aviões

MPF aponta ainda que só 25% dos pontos de apoio logístico à mineração ilegal foram alvo de fiscalização

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Apenas 9 de 421 pontos de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, a maior do Brasil, contaram com algum tipo de ação policial, dentro de um plano formulado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) para tentativa de retirada de garimpeiros que estão na região ilegalmente atrás de ouro. Isso significa que incursões policiais só ocorreram em 2,1% das áreas de garimpo.

A constatação foi feita pelo MPF (Ministério Público Federal) em Roraima, numa investigação sobre a execução do plano operacional formulado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública para a desintrusão de garimpeiros no território yanomami. A retirada foi uma determinação da Justiça Federal.

Investigadores que atuam diretamente em ações de repressão aos garimpos afirmam que não há aeronaves disponíveis em Boa Vista para o combate à atividade ilegal.

Floresta cravejada de áreas abertas para mineração
Registro de invasão de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami em maio de 2020, no estado de Roraima - Chico Batata - 14.set.2020/Greenpeace

Uma aeronave usada pela Polícia Federal fica em Manaus, a mais de 600 km do território, segundo esses investigadores.

As Forças Armadas têm se recusado a fornecer aeronaves, e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) conta com apenas oito veículos do tipo para atender às necessidades no país inteiro, conforme as fontes ouvidas pela reportagem sob a condição de anonimato.

A Funai (Fundação Nacional do Índio) em Roraima não tem um avião disponível. O MPF não tem nenhuma aeronave.

Em contraponto ao apagão de apoio logístico aéreo para repressão ao garimpo na terra yanomami, mais de cem aeronaves garantem a exploração ilegal de minérios, principalmente ouro e cassiterita, segundo as investigações do MPF e PF. Em maioria, são helicópteros operados por empresários que continuam lucrando com os garimpos ilegais.

Um único grupo, com 12 pilotos de helicóptero, movimentou mais de R$ 200 milhões em dois anos. O grupo fez ainda uso de empresa fantasma e transferências de recursos ao exterior, conforme investigação da PF revelada pela Folha na última quinta-feira (19).

O empresário responsável, Rodrigo Martins de Mello, é pré-candidato a deputado federal pelo PL, partido de Bolsonaro. Ele passou a coordenar um movimento de garimpeiros que tenta legitimar a atividade criminosa na terra indígena e ameaça processar líderes indígenas que os denunciam. Mello não se pronunciou sobre as acusações da polícia.

PF, Ministério da Justiça, Funai, Ministério da Defesa, Exército e Aeronáutica não responderam aos questionamentos da reportagem sobre a falta de aeronaves para combater as atividades ilegais.

Em nota, o Ibama afirmou que não há "indisponibilidade" de aeronaves para suas operações. "[O órgão] possui contrato de locação de oito aeronaves para apoio às atividades de fiscalização ambiental, emergências ambientais e combate a incêndios florestais em todo o território nacional", disse.

Desde a eleição de Bolsonaro em 2018, explodiu a quantidade de garimpeiros na terra indígena. São 20 mil, segundo associações de indígenas.

O vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) contesta essa cifra e diz que há cerca de 3.000 garimpeiros na região. O número, no entanto, é considerado subestimado por pessoas ligadas ao combate do garimpo.

O presidente Bolsonaro defende a atividade ilegal, estimula o garimpo no território e tenta regularizar a mineração em terras indígenas.

O plano do Ministério da Justiça foi elaborado no contexto de decisões da Justiça Federal obrigando a retirada dos garimpeiros. Já houve decisões nesse sentido na primeira instância da Justiça, no TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) e no STF (Supremo Tribunal Federal).

A falta de ação nos pontos de garimpo ilegal "evidencia, a mais não poder, a absoluta insuficiência das medidas protetivas a cargo do Executivo federal", afirmou o MPF em Roraima em uma recomendação expedida no último dia 10.

Os procuradores da República Alisson Marugal e Matheus Bueno recomendaram que a ANM (Agência Nacional de Mineração) leiloe 200 toneladas de cassiterita apreendidas e destine os recursos à Funai, para atendimento aos indígenas. O valor é estimado em R$ 24,7 milhões.

A ausência de ações policiais nos pontos mapeados de garimpo é apenas um dos problemas no combate à atividade ilegal na maior terra indígena do país, que na próxima semana comemora 30 anos de sua demarcação.

Dos 277 pontos de apoio usados pelos garimpeiros, como pistas de pouso e portos clandestinos, somente 70 (25,3%) foram fiscalizados desde 2020, segundo levantamento feito pelo MPF.

O apoio aéreo para o combate ao garimpo ilegal é crucial para uma região de difícil acesso. Os percursos por rio são longos e demorados. Órgãos de fiscalização alugam horas de voos de parceiros terceirizados para suas operações.

A recomendação do MPF afirma que, "ao menos de modo constante, as forças estatais não dispõem de, ou não disponibilizam, aeronaves que possibilitem a realização com a frequência necessária de incursões na TI [Terra Indígena] Yanomami objetivando o combate ao garimpo ilegal".

O garimpo em terras indígenas é proibido por lei. A Constituição Federal determina que a atividade precisa de regularização e de aval do Congresso, o que ainda não existe.

Em 2020, a Justiça determinou que o governo federal expulsasse os garimpeiros da região, o que não ocorreu.

Conforme o MPF, foram registrados 3.059 alertas de desmatamento para o garimpo na terra yanomami, entre agosto de 2020 e fevereiro de 2022. O desmatamento atingiu quase 11 km². Num único mês, em janeiro deste ano, foram 216 alertas.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.