Descrição de chapéu Planeta em Transe

Solo pobre em fósforo na Amazônia pode limitar a absorção de carbono

Redução das mudanças climáticas pela floresta pode ser menor que esperada

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Marcelo Lima Loreto
Nova York

O solo com baixo teor de fósforo limita a capacidade da Amazônia de absorver mais gás carbônico atmosférico (CO2), um dos responsáveis pelo aquecimento global. A conclusão consta de estudo publicado na revista Nature.

Conduzida pela cientista Hellen Fernanda Viana Cunha, doutoranda no Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), a pesquisa, que saiu no dia 10 do mês passado, mostrou que a baixa disponibilidade do fósforo, característica natural de 60% dos solos amazônicos, pode limitar a captação de gases do efeito estufa.

Nos últimos anos, cientistas observaram que a Amazônia passou a ser fonte de carbono para atmosfera, considerando o saldo entre emissão e absorção do CO2 —ou seja, a floresta mais emite do que absorve. As causas são o aumento das queimadas, que liberam carbono diretamente na atmosfera, e desmatamento, segundo o climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da USP (Universidade de São Paulo).

Área desmatada na Amazônia na cidade de Lábrea (AM), em setembro deste ano - Douglas Magno - 2.set.22/AFP

Mais de 40 bilhões de toneladas de CO2 são despejadas anualmente na atmosfera global. A maior parte proveniente da queima de combustíveis fósseis. Desse total, as florestas removem cerca de 13 bilhões de toneladas (32%), e os oceanos, 9,2 bilhões (23%), segundo Nobre.

O cientista diz que os modelos matemáticos destinados à análise de mudanças climáticas até então não levavam em conta a limitação de crescimento de capacidade de absorção da floresta imposta pelo fósforo. "Esta pesquisa está mostrando que é necessário colocar esse [fator] limitador".

"A Amazônia chegou a retirar mais de dois bilhões de toneladas de gás carbônico atmosférico em um ano, mas está perdendo esta capacidade em razão do aumento dos desmatamentos e degradação", reiterou Nobre.

Cerca de 18% da floresta está desmatada e 17% degradada (empobrecimento da mata com retirada de árvores e queimadas). Somando os valores, mais de um terço (35%) da floresta já está comprometida, lamenta o cientista.

A área desmatada vai sendo substituída por gramíneas para pecuária e passa a remover apenas 4% de CO2 que a floresta original realizava.

O fósforo na Amazônia tem origem em rochas desgastadas pela ação de micro-organismos, reações químicas e processos físicos durante milhões de anos. O mineral vai se esgotando gradualmente nos solos, sendo levado pela chuva pelas planícies amazônicas, ou torna-se indisponível para plantas ao reagir quimicamente com o ferro e alumínio.

Por localizar-se em região tropical úmida, a Amazônia possui intensa atividade biológica que acelera o desgaste do solo e das rochas e diminui a disponibilidade de nutrientes, especialmente fósforo. A acidez do solo (pH abaixo 5,5) contribui para o quadro.

O deserto do Saara também fornece fósforo à Amazônia, como detectaram satélites da Nasa. O mineral viaja na areia levantada pelos ventos que sopram do norte da África, atravessam o Atlântico e pousam na Amazônia, fertilizando-a.

O processo ocorre há milhares de anos e cientistas estimam que as 22 mil toneladas de fósforo que chegam anualmente sejam comparáveis às perdas hidrológicas do mineral na bacia, sugerindo papel importante da poeira africana na prevenção do esgotamento ainda maior do fósforo. O Saara era uma região verde no passado, transformada em deserto, com partes ricas em nutrientes.

O fósforo atua na fotossíntese, divisão celular, transporte de substâncias e na estrutura genética das plantas. Essencial para as raízes e maturação das plantas, sua carência diminui a altura e atrasa o surgimento das folhas, segundo o agrônomo Edilson Carvalho Brasil, especialista em solos da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).

Para concluir que o fósforo é o principal nutriente limitador do crescimento da floresta, os cientistas do Inpa fertilizaram parcelas de terra com diferentes nutrientes, em uma área 80 mil metros quadrados de floresta intocada, a 80 km ao norte de Manaus. A região possui baixa concentração de fósforo (87,5 mg kg−1), característica de mais da metade dos solos amazônicos.

Após medirem quase 5.000 árvores, durante dois anos de experiência, constatou-se aumento de 29% no crescimento das raízes finas e de 19% das folhas nas copas das árvores do terreno que recebeu fósforo em relação ao observado nas árvores do terreno que não recebeu o produto.

Ter mais raízes torna as plantas capazes de obter mais água e nutrientes. Em uma situação de seca, por exemplo, elas ficam menos vulneráveis. O crescimento das folhas, por sua vez, as capacita a obter mais luz solar para fotossíntese e incorporar, assim, mais CO2 atmosférico.

Hellen disse que a experiência demonstrou que a "floresta amazônica cresce atualmente sob intenso estresse [devido à carência de fósforo]".

A experiência faz parte do Experimento de Fertilização da Amazônia (AFEX, sigla em inglês), integrado por pesquisadores do Brasil, Panamá, Austrália e Reino Unido, financiado pelo Natural Environment Research Council (NERC, Reino Unido).

A pesquisadora diz que a intenção do projeto não é preparar uma possível fertilização de extensas áreas amazônicas, e sim compreender o comportamento da floresta diante da deficiência natural de fósforo e quais estratégias utiliza para se adaptar, como associações com bactérias, nas raízes, capazes de extrair eficientemente fósforo das folhas mortas sobre o solo.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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