ONG lança satélite para medir emissões de metano na atmosfera

Iniciativa ajudará países e empresas a cumprir metas de contenção da crise climática

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São Paulo

Pela primeira vez, uma organização não governamental terá um satélite próprio para medir emissões de metano na atmosfera e assim encorajar sua contenção, numa ação que pode ser decisiva para o combate à crise climática nos próximos anos.

O MethaneSAT, desenvolvido por uma subsidiária da ONG internacional Environmental Defense Fund (EDF), partiu ao espaço a bordo de um foguete Falcon 9, da SpaceX. O lançamento, ocorrido a partir da base de Vandenberg, na Califórnia, ocorreu às 19h05 (de Brasília) desta segunda-feira (4) e faz parte da missão Transporter-10, que a empresa espacial promove para levar diversas cargas úteis à órbita a preços mais baratos.

Satélite na órbita da terra
Ilustração de como o satélite MethaneSAT, em parceria com o Google, trabalhará para identificar vazamentos de metano - MethaneSAT/Divulgação via Reuters

Voaram com o MethaneSAT outros 52 equipamentos, entre cubesats e microssatélites. Com seu porte mais parrudo, o MethaneSAT é o último do lote a ser colocado em órbita pelo foguete, cerca de 2h30 após o lançamento.

A ideia do projeto foi anunciada em 2018, com a ambição de ter um sistema capaz de medir de forma mais abrangente as emissões de metano.

Trata-se de um importante gás-estufa, com capacidade cerca de 80 vezes maior de aprisionar a radiação infravermelha na atmosfera e esquentar o planeta que o principal gás-estufa, o dióxido de carbono. A sorte é que ele é bem menos prevalente e também dura menos tempo na atmosfera —coisa entre 7 e 12 anos, enquanto o dióxido de carbono pode durar centenas de anos.

"O metano tem uma vida útil mais curta na atmosfera, mas um potencial de aquecimento global maior que do dióxido de carbono, ou seja, absorve mais energia por tonelada emitida. Estima-se que seja responsável por 20% a 30% do aquecimento global desde o período pré-industrial, sendo o segundo maior contribuinte", diz Karina Bruno Lima, doutoranda em climatologia pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e divulgadora científica.

Ilustração de um satélite com a Terra ao fundo
Projeção de como funcionará o satélite MethaneSAT - MethaneSAT/Divulgação via Reuters

Essa combinação faz dele um alvo prioritário e urgente na contenção da crise climática: pela vida curta na atmosfera, quanto mais rápido cortarmos emissões, mais rápido o impacto será visto no planeta. Isso em contraste com o dióxido de carbono, que, mesmo que cortássemos totalmente agora, ainda teríamos de conviver com os efeitos do que já foi emitido por um longo tempo.

Esse metano todo tem várias origens. Como o principal composto no gás natural, ele acaba escapando pela atmosfera em vazamentos dos sistemas de extração e transporte da substância de suas reservas naturais.

A atividade agrária também produz um bocado de metano, sobretudo na criação de bovinos (é o famoso impacto do "pum de vaca" nas mudanças do clima). E, claro, há fontes naturais, como regiões alagadas em que material orgânico em decomposição borbulha parcialmente como metano na atmosfera. Mas sabemos que as principais fontes de emissões hoje vêm mesmo das atividades humanas.

O que não sabemos é de onde exatamente elas estão partindo. Que países e empresas são responsáveis por elas? É o que o MethaneSAT se propõe a esclarecer.

NO MEIO DO CAMINHO

O novo satélite da ONG foi desenvolvido com um modesto (para projetos espaciais) orçamento de US$ 88 milhões, proveniente de doadores (dentre as quais o Bezos Earth Fund, a Arnold Ventures, a Robertson Foundation e o TED Audacious Project) e de uma parceria com o governo da Nova Zelândia.

Mais ou menos do tamanho de uma máquina de lavar, ele ficará em uma órbita polar sol-síncrona, que o permitirá completar 15 voltas ao redor da Terra a cada dia, sobrevoando todas as partes do planeta.

Equipado com um espectrômetro (capaz de ler a composição da atmosfera por meio da assinatura de luz que a atravessa ao ser refletida da superfície) e um sensor infravermelho de alta resolução, ele terá a sensibilidade para medir mudanças na concentração de metano tão pequenas quanto três partes por bilhão.

Ilustração do satélite em fundo preto
Ilustração do satélite MethaneSAT - MethaneSAT/Divulgação via Reuters

Ele não é o primeiro satélite capaz de detectar metano na atmosfera. Na verdade, diversos equipamentos de agências espaciais e mesmo empresas privadas fazem medições do tipo, mas sempre focadas ou regiões muito vastas (que impedem identificar as fontes com precisão) ou, em contrapartida, em pontos muito específicos —escolhidos de antemão para observação pelos controladores do equipamento.

A novidade na configuração adotada pelo projeto é que ela fica no meio do caminho entre as duas estratégias, permitindo cobrir vastas áreas com resolução suficiente para encontrar grandes emissores em locais específicos.

"O superpoder do MethaneSAT é a capacidade de medir precisamente os níveis de metano com alta resolução sobre áreas amplas, incluindo fontes menores e difusas que respondem pela maior parte das emissões em muitas regiões", diz Steven Hamburg, cientista-chefe do EDF e líder do projeto do MethaneSAT. "Saber quanto metano está vindo de onde e como as taxas estão mudando é essencial."

Um aspecto que dá contornos ainda mais importantes à iniciativa é a transparência. Os dados colhidos serão disponibilizados diretamente ao público por meio do site www.methanesat.org e também no famoso aplicativo Google Eartho Google é parceiro do projeto para processamento das informações com ajuda de inteligência artificial.

As informações permitirão que países e mesmo empresas individuais saibam onde estão concentradas suas emissões e possam contê-las de forma mais eficiente. Se farão isso, são outros quinhentos, mas claro que o primeiro passo para que aconteça é a determinação exata de onde estão ocorrendo.

Cerca de 150 países, entre eles o Brasil, aderiram ao Compromisso Global de Metano para cortar suas emissões do gás em ao menos 30% dos níveis de 2020 até o ano 2030. Da mesma maneira, mais de 50 companhias de petróleo e gás anunciaram a meta de virtualmente eliminar as emissões de metano.

"Para atingirmos a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5°C, é necessário cortar 43% das emissões de gases de efeito estufa até 2030. O corte nas emissões de metano precisaria ser de cerca de 34% até esse mesmo período e estamos muito longe de conseguir colocar isso em prática", diz Lima.

O monitoramento e a verificação do cumprimento dessas metas, portanto, se torna crítico para os próximos anos. Nesse contexto, o MethaneSAT entra como uma peça fundamental.

"A pressão sobre tomadores de decisão é uma ferramenta muito poderosa e essencial neste momento de crise climática. Mesmo que não consigamos limitar a 1,5°C, cada décimo de grau evitado vai fazer toda a diferença, então tudo o que nos ajude a colocar o problema como prioridade e a sair dessa inércia é muito importante", diz a pesquisadora da UFRGS.

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