Siga a folha

Descrição de chapéu Planeta em Transe

Justiça proíbe presidente de mineradora de entrar em terra indígena no Amazonas

Adriano Espeschit, da Potássio do Brasil, terá de pagar multa diária de R$ 100 mil se descumprir decisão; OUTRO LADO: empresa não comenta

Assinantes podem enviar 7 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Manaus

A Justiça Federal do Amazonas proibiu o presidente da mineradora Potássio do Brasil, Adriano Espeschit, de entrar na aldeia Guapenu, do povo indígena mura, em Autazes (AM). Se o empresário descumprir a decisão, terá de pagar multa diária no valor de R$ 100 mil.

O executivo, segundo a decisão judicial, pretendia ir ao território explicar pessoalmente aos indígenas o projeto de exploração de potássio e de bem viver proposto pela companhia aos muras.

Procurada pela reportagem, a empresa disse que não comenta decisões judiciais e se manifestará nos autos.

A Potássio do Brasil é acusada pelo povo mura e pelo MPF (Ministério Público Federal) no Amazonas de uma série de irregularidades —dentre as quais cooptação, assédio e até ameaças de morte aos indígenas— no curso do licenciamento para exploração do minério nas terras em processo de demarcação pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).

Segundo a decisão judicial, o empresário não tem autorização da Justiça nem da Funai para ingresso no local e conta com a rejeição dos próprios muras à sua presença na terra indígena.

Indígenas muras em área não demarcada perto de Humaitá (AM) - Ueslei Marcelino - 20.ago.2019/Reuters

A decisão, da juíza federal da 1ª Vara Federal Cível do Amazonas Jaiza Fraixe, foi proferida nesta quarta (17). Segundo denúncia da Olimcv (Organização das Lideranças Indígenas Mura de Careiro da Várzea), o empresário teria uma reunião na aldeia nesta quinta (18).

A juíza afirma, em sua decisão, que o território indígena é um "asilo inviolável", assim como a casa de qualquer indivíduo, não sendo autorizada a entrada sem o consentimento do morador. Fraixe destaca que a Potássio do Brasil tem 12 licenças que autorizam a instalação do projeto, mas que elas estão sub judice e, portanto, não cabem "visitas indesejadas" ou explicação sobre o que é bem viver dentro de uma aldeia.

"O bem viver de um povo indígena só pode ser dito, falado, escrito e decidido por ele próprio. Nenhum outro grupo pode fazer esse papel. Imaginemos que os indígenas adentrassem na sede da empresa para 'explicar' o que é o bem viver de um mura. Seriam presos em flagrante no mesmo instante", afirma trecho da sentença.

O professor Herton Mura, que é do corpo técnico da Olimcv, disse que recebeu "pedidos de socorro" de indígenas da aldeia que discordam do projeto de mineração e "não aguentam mais" a insistência da empresa e de tuxauas (lideranças) que os apoiam. A Olimcv levou a denúncia ao conhecimento da Justiça.

"Para nós, povo mura, essa decisão é um suspiro em meio aos licenciamentos que o Ipaam [Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas] está emitindo em favor do projeto e da empresa. É com tristeza que vemos algumas lideranças se posicionando contra a demarcação e enganando as pessoas", disse.

Herton Mura afirma que os muras de Autazes e Careiro da Várzea, municípios onde está localizado o fragmentado território mura há mais de 200 anos, tem um protocolo de consulta. E o documento deixa claro que nenhuma decisão, seja sobre mineração ou entrada em aldeia, pode partir apenas de um tuxaua. "O nosso protocolo é claro. Nenhum tuxaua pode decidir só. Nossas decisões são coletivas."

Projeção da planta industrial do empreendimento de potássio na região de Autazes (AM), feita pela empresa - Reprodução/Potássio do Brasil

Herton conta que a reunião na aldeia ocorreu, mas sem a presença do presidente da Potássio do Brasil. Para o professor indígena, não cabe ao presidente da mineradora falar sobre o bem viver dos muras.

Ele também se queixa da falta de um Estudo de Componente Indígena para que debates sobre o projeto sejam travados nas aldeias. A falta do estudo é uma das irregularidades apontadas pelo MPF no licenciamento.

A luta judicial dos muras contra a Potássio do Brasil começou em 2016, e há três ações judiciais em curso, na Justiça Federal: a que contesta o licenciamento prévio em 2016, a que pede a demarcação das terras indígenas Soares/Urucurituba, de 2022, e uma, de 2024, que aponta uma série de irregularidades no licenciamento da instalação do projeto em terra indígena por parte do órgão ambiental do Amazonas, o Ipaam.

Foi feita ainda cerca de uma dezena de representações, segundo o MPF, pelas lideranças indígenas muras, com relatos de coações, cooptações, ameaças, pagamento de propina, invasões —essas desde 2016. Todo o processo coloca em risco a vida, a cultura dos muras e o meio ambiente na região, segundo as denúncias do MPF.

O vice-presidente da República e presidente do Confert (Conselho Nacional de Fertilizantes e Nutrição de Plantas), Geraldo Alckmin (PSB), o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), e o presidente estadual do PT-AM e deputado estadual, Sinésio Campos, já expressaram publicamente entusiasmo pelo projeto, sem citar nas falas a presença e a rejeição do povo do mura à mineração.

Em novembro do ano passado, reportagem da Folha mostrou que o presidente da Potássio do Brasil, Adriano Espeschit, prometeu a muras a compra e entrega de 5.000 hectares de terras em caso de posição favorável ao empreendimento de exploração de potássio.

A oferta, feita numa assembleia de uma pequena parte dos muras em setembro, foi seguida de falas de Espeschit contrárias à demarcação do território, apesar do início de procedimentos formais para a delimitação por parte da Funai.

O presidente da Potássio do Brasil disse ainda aos muras que o território só poderia virar terra indígena ao fim da retirada do minério, num prazo de 23 a 34 anos. Em nota, a empresa afirmou que os benefícios aos muras já eram públicos.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas