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Ambientalista indiana batalha há 3 décadas para proteger sementes naturais

Vandana Shiva, que palestra no Brasil nesta terça (13), diz que mundo precisa retomar princípios da Rio-92

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São Paulo

A semente é um símbolo de liberdade numa era de manipulação e monopólio. A frase é da ambientalista indiana Vandana Shiva, 71, uma das principais vozes no debate global sobre sistemas alimentares, biodiversidade e justiça social, e também na denúncia do que chama de "cartel do veneno" e de "bioimperialismo", promovidos por corporações transnacionais.

Doutora em física quântica, filósofa, feminista e ativista, ela está no Brasil, 32 anos depois de sua primeira passagem pelo país durante a Cúpula da Terratambém chamada de Eco-92 ou Rio-92—, para participar da Rio Innovation Week. O evento de tecnologia e inovação começa nesta terça-feira (13), no Pier Mauá, na capital fluminense, e terá 32 conferências até a próxima sexta (16).

Sua palestra, intitulada "Lições de Vandana para o mundo", encerra o primeiro dia de programação, e traz parte dos relatos reunidos na autobiografia "Terra Viva - Minha Vida em Uma Biodiversidade de Movimentos" (Boitempo), lançada neste ano no Brasil.

A ativista indiana Vandana Shiva em São Paulo, durante passagem pelo Brasil em 2012 - Folhapress

Há 50 anos, Shiva se dedica a movimentos para salvar florestas e estimular a agricultura orgânica, um percurso que a colocou em rota de colisão com gigantes globais como o Banco Mundial, a agroquímica Monsanto e o bilionário Bill Gates. Nos últimos 30 anos, seu foco tem sido a proteger sementes naturais contra patentes manipuladas geneticamente.

A partir da investigação de projetos de plantação de eucaliptos que estavam derrubando florestas na Índia, nos anos 1980, Shiva conta ter descoberto que eles eram financiados pelo Banco Mundial.

No final dos anos 1990, a ativista processou a Monsanto no Supremo Tribunal da Índia, acusando-a de ter introduzido sementes geneticamente modificadas no território sem autorização legal.

Já o magnata americano é apontado por ela como pivô de uma corrida para controlar o sistema alimentar global por meio de patentes e tecnologias de produtividade ao mesmo tempo em que promove alimentos sintéticos.

"Chamo isso de bioimperialismo porque é um imperialismo sobre a própria vida, que promove monoculturas responsáveis por 50% dos gases de efeito estufa e 75% das doenças crônicas que afetam as pessoas", afirma.

Em seu movimento pela agroecologia e biodiversidade, o Brasil tem lugar especial.

"O Brasil se tornou o centro global de consumo de agrotóxicos e de produção por meio de organismos geneticamente modificados. Vocês destruíram a amazônia por causa do império da soja", dispara ela, que recusa a ideia de que o país seja celeiro do mundo.

"Não é verdade que o Brasil produz a maior quantidade de alimentos para o mundo. O Brasil produz a maior quantidade de commodities. E commodities não são alimentos porque 90% do milho e da soja transgênicos não alimentam as pessoas, mas carros e animais. A sua soja está indo para ração animal e biocombustível", afirma.

Depois de bater, Shiva assopra. "Vocês são os principais produtores de soja, mas também são as pessoas que deram ao mundo a incrível ideia de fome zero", diz.

"Nela, agricultores devem se tornar agroecológicos, e não usar produtos químicos e pesticidas. E os alimentos que cultivam devem ir para hospitais, escolas e programas de alimentação dos pobres, o que é capaz de criar uma economia circular. Os agricultores terão um mercado, e as pessoas vulneráveis terão alimentos saudáveis."

A base dos alimentos que nutrem, avalia, é a biodiversidade produtiva no lugar das monoculturas industriais. "Essa diversidade pode desaparecer com o império da soja, em que a Monsanto controla a semente, e a Cargill, o comércio."

Segundo a ambientalista, dez grandes corporações controlam um "sistema antialimentar". "Eu chamo de sistema antialimentar porque ele não nutre. Quatro empresas controlam produtos químicos e pesticidas, e agora também controlam 60% das sementes modificadas, através de patentes, sobre as quais cobram royalties."

Selecionadas ao longo da história por pequenos agricultores de todo o planeta, as sementes naturais são cada vez mais substituídas por versões geneticamente modificadas e patenteadas, o que eleva os custos para os produtores. A indústria argumenta, por sua vez, que suas criações elevam a produtividade e garantem, assim, a segurança alimentar do planeta.

Algumas dessas sementes são desenhadas para que produzam plantas estéreis, impedindo o replantio da safra. Outras são protegidas por contratos que restringem o replantio sem ônus.

"A semente tem o poder de se renovar, de produzir mais sementes. Transformá-las em bens privados rouba da natureza a capacidade de se renovar. Ecologicamente, isso significa diminuir a nossa capacidade e a capacidade da Terra de prover vida, criando escassez", argumenta Shiva.

"Comecei o trabalho de salvar sementes porque algumas empresas começaram a fazer engenharia genética para obter patentes e a promover leis que criminalizam os agricultores que salvam sementes de suas safras."

Em 1991, a ambientalista fundou a organização Navdanya, nome que significa nove sementes, para promover a biodiversidade e proteger o direito dos agricultores de guardar, trocar e desenvolver sementes por meio de conhecimentos nativos.

A organização criou um grande banco de sementes, com mais de 4.000 variedades de arroz, 11 tipos de cevada, 10 de aveia, 450 árvores medicinais, entre outros, e distribuiu 150 bancos comunitários de sementes pela Índia.

Na mesma época, Shiva fez parte da equipe que preparou a participação da Índia na Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro, em 1992, e que estabeleceu a CDB (Convenção sobre Diversidade Biológica), elaborada no âmbito das Nações Unidas para preservar a biodiversidade e garantir e a distribuição justa do uso de recursos genéticos, respeitando o patrimônio de cada Estado.

A convenção levou ao estabelecimento de um grupo de trabalho pela ONU, do qual a ambientalista indiana fez parte, para a elaboração do chamado Protocolo de Biossegurança de Cartagena, que cria proteções contra efeitos adversos da manipulação e do uso de organismos vivos modificados pela biotecnologia.

Ao voltar ao Rio 32 anos depois da Cúpula da Terra, Shiva diz que o mundo precisa retomar os princípios que regeram aquele encontro global.

"O mundo precisa lembrar dos compromissos originais da Cúpula da Terra, que o Brasil presenteou ao mundo: o tratado da biodiversidade e o tratado climático, que estão relacionados, porque a biosfera regula a atmosfera", defende.

"É preciso trazer de volta essas conexões e o fato de que os países ricos continuam sendo os maiores poluidores do planeta. Agora, eles querem um império climático onde destruíram tudo, e querem nos dizer o que fazer. Criamos um tratado que diz que os poluidores devem pagar, então, que eles paguem."

Para Shiva, apesar dos prognósticos sombrios e da elevação das temperaturas, "é sempre um bom momento para acordarmos". "Para a natureza, nunca é tarde demais. Para a humanidade, nunca é tarde demais. A vida da natureza continua se renovando."

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