Siga a folha

Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia

Descrição de chapéu Coronavírus

Financiamos o exército errado

Quem tem feito a diferença na pandemia são soldados de uniforme branco

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Nossa ação sanitária, ou melhor, a falta dela não condiz com a situação epidemiológica do país. Mais brasileiros circulam agora do que em qualquer momento desde março de 2020, quando ainda registramos 2.000 mortes em um dia. Nosso orçamento federal incorre no mesmo erro.

Estamos na maior pandemia da nossa história recente. O conhecimento sobre o seu causador, os testes que nos permitem saber o que se passa, máscaras PFF2 e as vacinas foram todos desenvolvidos pela ciência. Conhecimento científico produzido por quem faz pesquisa, não conhecimento de WhatsApp produzido por gabinete paralelo.

No entanto, o ministério que teve a maior redução em orçamento em 2021 foi o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, entidade vinculada ao MCTI que gere o financiamento federal à pesquisa no Brasil, terá um orçamento de R$ 1,21 bilhão em 2021, quase metade do que foi investido em 2000, quando contávamos com um dólar bem mais baixo e com muito menos pesquisadores.

Alice Kiyong'a, bióloga, trabalha em pesquisa relacionada ao vírus da Mers em Nairóbi, Quênia - Tony Karumba - 13.abr.21/AFP

Seu orçamento para pesquisa ficou em R$ 23,7 milhões para o Brasil todo, o que é menos do que a verba do laboratório onde trabalhei em Yale em 2013. E mais da metade desse orçamento está condicionada à liberação de créditos suplementares, que precisam ser aprovados por superarem o teto de gastos.

Estamos investindo no exército errado nessa guerra contra o vírus. Quem tem feito a diferença na pandemia são soldados de uniforme branco, profissionais da saúde. Quem entende de logística de saúde são epidemiologistas, imunologistas, infectologistas e administradores da saúde, que trabalham para salvar vidas.

Mesmo em conflitos militares, é a ciência que tem sido decisiva. O que viabilizou a vitória dos Aliados na Segunda Guerra foram inovações tecnológicas como o desenvolvimento da penicilina, o uso do radar e as bombas atômicas, que vieram da aplicação de conceitos gerados pela pesquisa básica.

Alexander Fleming estudava bactérias quando descobriu a penicilina que salvou a vida de muitos soldados feridos em batalha. Ela foi tão estratégica que sua produção só foi escalada pela War Production Board (WPB), agência que coordenou a conversão de indústrias dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial. É do reconhecimento desse potencial que vem a mentalidade de investimento em ciência e tecnologia que norteia o desenvolvimento das nações que mais enriquecem, especialmente em um momento de crise.

Mas o valor recém-aprovado para “despesas discricionárias'' do MCTI determina que só R$ 2,7 bilhões podem ser investidos em pesquisa no Brasil, cerca de um terço do que o MCTI investiu em pesquisa dez anos atrás. Isso é insuficiente para manter o funcionamento de instituições de pesquisa do país. São instituições como a Fiocruz e o Instituto Butantan, que salvaram brasileiros da gestão militar da compra de vacinas e que produziram estudos como o de Serrana, que mostra que a vacinação pode controlar o vírus. Instituições como as universidades, que têm identificado as variantes que tornam essas vacinas ainda mais urgentes. Que dirá financiar novas ideias como o desenvolvimento de vacinas brasileiras, ou a formação das próximas gerações de cientistas que nos ajudarão nas próximas pandemias.

Como o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Ildeu Moreira, lembrou, em 1995 a China investia o mesmo que o Brasil em ciência e tecnologia e tinha o mesmo PIB. Em 2021, a China investirá US$ 378 bilhões em pesquisa, contra R$ 26 bilhões do Brasil, o que explica porque agora dependemos de vacinas da China.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas