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Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

A seu jeito, Xuxa inventou um novo conceito de perder, ganhando

A de amor, B de baixinho, mas sobretudo um X marcado num coração blasé

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Sessenta anos da Xuxa. Momento ideal para bater os calcanhares de minhas botinhas brancas enquanto expressão sincera de júbilo –contudo, nunca as tive. Nem o desejo de ser paquita. O mais perto que cheguei do universo afetivo da Rainha dos Baixinhos foi ser quase vizinha do edifício de "Lua de Cristal".

Ou pelo menos era isso que eu achava.

Trabalhei com ex-pituxas que viraram competentes diretoras. Tenho um colega que tatuou a apresentadora no braço, emoldurada pelo televisorzinho da infância. Estava de plantão numa redação próxima ao incêndio do "Xuxa Park". Nada disso, porém, alterou minha visão distanciada, estritamente profissional, do que a loura representa. Sem tietagem.

Por um breve período, integrei a criação do seu programa. O suficiente para ouvir: "Xuxa topa tudo, mas não é chegada a games. Odeia ver gente perdendo. Tem como criar um jogo em que todo mundo sempre ganhe?". Das perguntas mais difíceis da minha carreira.

Ilustração de Marcelo Martinez para a coluna de Bia Braune de 26 de março de 2023 - Marcelo Martinez

Quando soube da reprise do "Xou da Xuxa" no streaming, temi pelos novos tempos. Éramos crianças sem filtro. Havia comerciais de cigarro nos intervalos dos desenhos, sem qualquer questionamento parental. Lembro de ter medo dos personagens Praga e Dengue. Que injustiça, aliás. Pavor eu tinha que ter tido da assistente de palco e do cantor gato que, décadas depois, foram picados pelo bichinho do bolsonarismo colérico. Baita sorvetão na testa.

Não tive a boneca da Xuxa nem usei maria-chiquinha no alto da cabeça. Minha lombar dói só de pensar em reproduzir o meme da capa do LP. De tão pragmática, lancei um livro sobre TV e fiz um diagrama com as marcas registradas das musas infantis: formato de microfone, veículo (espacial ou não) com que chegavam ao palco e demais beijinhos beijinhos, tchau tchau.

Um dia, dobrando à esquina numa hora de almoço, deparei com um endereço icônico –"Rua Saturnino de Brito 74, Jardim Botânico"– e me emocionei. Era para lá que o país inteiro enviava seus alôs. Ao lado do boneco Moderninho, sentada numa montanha de cartas, Xuxa sorteava prêmios e fazia chover envelopes. Cada um deles contendo uma esperança mirim. Os que escorregavam de volta ao oceano de papéis não frustravam, pelo contrário. Geravam uma fé hipnotizante na felicidade possível. A seu jeito, Xuxa inventou um novo conceito de perder, ganhando. Ela estava certa.

Quem viveu aquela época pode ter escapado do A de amor, do B de baixinho, mas não de algum X marcado no coração até dos mais blasés. Tá de parabéns, Xuxa.

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