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Quem acreditava em vitória fácil se esqueceu que vivia no Brasil

Aqui todas as conquistas são suadas e têm que ser reconquistadas a cada ano, a cada dia

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"O desábito de vencer/ não cria o calo da vitória/ não dá à vitória o fio cego/ nem lhe cansa as molas nervosas", dizia João Cabral de Melo Neto, em seu poema "O Torcedor do América F. C."

João Cabral torcia pro Mequinha, o América do Recife, time com primeiros anos gloriosos —foi o primeiro campeão nordestino, em 1923—, mas uma vertiginosa decadência, que inclui um jejum de décadas sem qualquer título.

Mas João Cabral via beleza na austeridade de glórias: "Guarda-a [a vitória] sem mofo: coisa fresca/ pele
sensível, núbil, nova/ ácida à língua qual cajá/ salto do sol no cais da aurora".

Ilustração de Catarina Bessel para coluna de Gregorio Duvivier - Catarina Bessel

O povo no Brasil, feito o torcedor americano, não conhece o gosto de uma vitória fácil. Ao contrário do América, nem o início foi glorioso. Nossa história já começa com fracassos retumbantes. No nosso caso não é exagero culpar a arbitragem. Nos últimos anos, as derrotas vieram todas de recursos judiciais, fora das quatro linhas. Depois de marcar um pênalti inexistente contra Dilma em 2016, os juízes tiraram da cartola um cartão vermelho incompreensível —tanto que posteriormente anulado— contra Lula em 2018.

Jogamos contra a Fifa, a CBF, o Eurico Miranda e a Nike. No caso de Bolsonaro: as milícias, os generais, a Faria Lima, o Edir Macedo e a Jovem Pan.

Quem interpretou o resultado dos institutos de pesquisa como o prognóstico de uma vitória fácil se esqueceu de que vivia no Brasil. Aqui todas as conquistas são suadas e têm que ser reconquistadas a cada ano, e a cada dia. Nada nunca está ganho pro povo brasileiro. Nunca esteve. Nem o que funciona à perfeição. Aliás: se tem algo que corre risco, é precisamente o que ainda funciona. O Ibama, o SUS, as universidades públicas, a vacina, a urna eletrônica, o sistema de cotas: a guerra de Bolsonaro é contra tudo aquilo que ainda teima em funcionar neste país.

Quem, como eu, confiou demais nos institutos de pesquisas acabou esquecendo de olhar pra nossa história. Meu consolo, hoje, é o mesmo do torcedor alviverde pernambucano: nossa vitória terá o sabor inigualável da conquista coletiva. Tenho pena daqueles que, em 2016 e 2018, ganharam no tapetão. Sua vitória tinha o gosto mofado do recurso judicial. Nossa vitória, dia 30, vai ter gosto de redenção: "Coisa fresca/ pelo sensível, núbil, nova/ ácida à língua qual cajá/ salto do sol no cais da aurora".

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