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Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

Descrição de chapéu universidade

A sombria luz do desespero

A função máxima do ensino não é fazer os alunos se sentirem bem, mas aprenderem a obrigação moral de ser inteligente

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Dar aula para jovens não é uma tarefa fácil. Nunca foi, mas hoje surgiu um fenômeno novo: o fanatismo em sala de aula. A leveza, a espontaneidade, a abertura de espírito acabaram, em grande parte, entre os alunos da universidade.

Devemos muito disso a alguns professores, esses fanáticos de bolso, e mesmo a muitos dos pais, inseguros e cheios de modas. Claro, a culpada de tudo hoje, as redes sociais —a grande cultura contemporânea de bactérias— têm seu lugar de destaque na ópera bufa da inteligência pública nesse século 21.

Publicada neste domingo, 25 de junho de 2023 - Ricardo Cammarota

O título dessa coluna é uma citação do crítico literário americano Lionel Trilling, um dos maiores intelectuais que viveu no século 20.

Em 1961, Trilling se refere ao estado da educação na universidade americana no ensaio "On the Teaching of Modern Literature", sobre o ensino da literatura moderna, que integra a coletânea "The Moral Obligation to Be Intelligent", a obrigação moral de ser inteligente, sem tradução no Brasil.

Mas, vale lembrar que dois outros títulos de Trilling estão publicados no país pela editora É Realizações, "Sinceridade e Autenticidade" e "A Imaginação Liberal".

Para começo de conversa, o conceito de "obrigação moral de ser inteligente" é uma das maravilhas do pensamento para quem ama o pensamento.

Segundo Trilling, essa obrigação moral se caracteriza antes por sustentar a virtude de "fearlessness" e não de "happiness". Em jogo, a coragem de resistir ao medo e não a obrigação de deixar os alunos felizes.

Isto é, a função máxima do ensino não é fazer os alunos se sentirem bem, mas aprenderem a obrigação moral de ser inteligente, o que implica a capacidade de resistir ao medo que nos acomete quando pensamos para valer diante do mundo que nos rodeia.

Dito isso, qual seria essa "luz sombria do desespero" como forma de pedagogia, como diz Trilling, quando usa essa imagem?

Essa luz sombria é a tonalidade de cor que cobre a alma de quem perdeu a esperança, ou está em processo de, naquilo que faz. Mas, justamente por ter perdido a esperança —esta perda é o desespero em questão— esta pessoa se torna mais forte, mais resistente e menos à mercê do pessimismo barato que paralisa a ação.

Nada de mais trágico do que essa concepção de insistir na ação quando se sabe ter perdido a guerra. Aliás, a constatação de que a cultura —e a educação como parte dela— se perdeu em seu culto da "atitude", como diz Trilling, é um fato inegável.

Se Trilling escreveu isso em 1961, é porque ele, à diferença de muitos dos seus colegas de Columbia, não sucumbiu ao culto da atitude. E mais: Trilling foi um profeta porque enxergou o óbvio, como dizia Nelson Rodrigues e previu o futuro: nós somos esse futuro entediante da atitude política contínua.

Este quadro "clínico" não se resume à ideia de que a função de um professor na relação com os alunos seja estimular neles uma atitude diante da "comunidade" e "sociedade" —palavras do autor—, como se o ensino universitário fosse a antessala de um partido político ou um workshop de lavagem cerebral.

Há outros sintomas, segundo Trilling, que causam a desesperança no ensino.

Obsessões com uma educação para a saúde mental, para o combate da ansiedade, da alienação política, da sociedade urbana, são traços dessa "nova pedagogia" que construiu os alunos fanáticos que neste século 21 encontramos aos montes nas salas de aula, capazes de humilhar os colegas pelas miseráveis certezas políticas e morais que alimentam em seus corações ainda incapazes de lidar com o sofrimento, as dúvidas, os fracassos e frustrações que constituem a verdadeira realidade a qual a literatura nos ajuda a compreender.

Outros dois sintomas identificados por Trilling são o culto da "autoconsciência" e da "autopiedade" que marcam a atitude moderna para com suas obsessões.

Não que autoconsciência e autopiedade não tenham motivos para existir, mas, quando estas conduzem a atitude desses jovens para com o mundo, no fundo, elas não passam do miserável ressentimento que Nietzsche identificou ainda no século 19.

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