João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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Homens casam com mulheres-troféu, mas preferem as mães delas

Para Balzac, aos 40 ou 50 anos as mulheres estão no topo da existência

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O problema com o filme "Uma Ideia de Você", disse uma amiga beirando os 45 anos, é que Anne Hathaway não é exemplo para ninguém.

Linda de morrer em qualquer idade. Não são apenas os rapazes de 24 anos, como o galã do filme, que gostariam de conhecê-la biblicamente. São os de 24, 34, 44, 54, 64 etc. etc. Até chegarmos aos 104.

Na "vida real", para usar essa expressão cafona, o etarismo existe –e as mulheres, a partir de uma certa idade, tornam-se invisíveis para Cupido, concluiu ela.

Discordo vigorosamente, mas também não sou um bom exemplo. Você já assistiu ao filme "A Primeira Noite de um Homem" (1967), de Mike Nichols? Pois bem: o mundo se divide entre fãs da sra. Robinson e fãs da filha da sra. Robinson.

Dustin Hoffman e Anne Brancoft em 'A Primeira Noite de um Homem' - Divulgação

No filme, o personagem de Dustin Hoffman abandona a mãe para ficar com a filha. A mãe, no filme, era Anne Bancroft, próxima dos 40 anos. Preciso dizer mais?

Aliás, não é preciso ser tão erudito em matéria cinematográfica. Podemos descer às catacumbas do desejo: todos os anos, os sites para adultos divulgam os termos mais pesquisados nos motores de busca. "MILF", "cougar", "stepmom" ou "mature" estão no topo das preferências masculinas.

Você, leitor homem, não sabe o que significam esses termos? Sério? Eu também não —e meu nariz cresceu meio metro.

Eis minha teoria: todo mundo mente. Em público, os idiotas dos homens, sobretudo na meia-idade, podem babar com donzelas acabadas de sair da adolescência. Até casam com elas, para exibir como troféu.

Em privado, preferem as mães das mulheres-troféu.

Mas o que têm as mulheres mais velhas de especial?

Depende a quem você pergunta. Segundo o dr. Freud, os homens veem nelas uma mera substituição do amor primordial, incondicional e materno que tiveram na infância. Há uma pulsão incestuosa nesse fascínio.

Com todo respeito pelo velho Sigmund, prefiro Honoré de Balzac. Li "A Mulher de Trinta Anos" quando teria metade dessa idade e nunca mais deixei de pensar em Julie d'Aiglemont.

Na novela, Julie segue as ilusões da juventude e casa com um imbecil, contra os conselhos do pai. As ilusões passam depressa e Julie, mortificada pela vida que leva, se transforma na mulher de 30 anos do título: ainda bela, mas sobretudo desperta.

Cena do filme " A Primeira Noite de um Homem" . Em primeiro primeiro plano, a perna  de uma mulher flexionada, em segundo, um jovem de terno sorri."
Ilustração de Angelo Abu para coluna de João Pereira Coutinho de 13 de maio de 2024 - Angelo Abu/Folhapress

Explica Balzac: é aos 30 anos, que hoje equivalem aos 40 ou 50, que as mulheres estão no seu "cume poético". Que significa isso?

Significa que é aos 40 ou 50 que as mulheres estão no topo da existência, podendo contemplar todo o passado e todo o futuro com a segurança e a clareza que não tinham aos 20.

Moldadas pela vida e pela experiência, são dotadas de uma autonomia e de um mistério que é irresistível para qualquer mancebo que ainda está no princípio da subida.

Como escrevia Balzac sobre Julie, havia nela indecisões, temores, perturbações e tempestades que estão interditos a uma donzela.

A mulher de 40 ou 50 anos dispõe de uma tela mais ampla, de uma paleta mais colorida, sendo capaz de representar todos os papéis precisamente porque os conhece. A mulher de 40 ou 50 anos não é samba de uma nota só.

"A mulher experiente parece dar mais do que a si própria", escreveu Balzac. Frase fulminante de tão bela, que me ficou gravada na memória quando a li pela primeira vez. E que procurei, por todos os meios, confirmar mais tarde. Confirmei.

O filme "A Ideia de Você" não é Balzac. Aliás, o roteiro é bem pobre nos diálogos e só se salva pela presença de Anne Hathaway, uma perfeita balzaquiana que até tem nome francês (Solène). Fato: neste mundo, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.

Como a Julie de Balzac, Solène também teve suas ilusões e desgostos. Aprendeu com ambos: o à-vontade com que habita a própria pele é uma coisa maravilhosa de ver.

E aos 40 anos recebe um novo amor (ou será um amor novo?) com a sabedoria que só uma mulher madura pode ter, mesmo em suas fragilidades e sacrifícios. Como resistir a isso?

Não resistindo –e o rapaz, apesar de ser uma estrela pop e com legiões de fãs a seus pés, percebe de imediato que está na presença de uma mulher real.

Não conto o fim, claro, exceto para lembrar que mulheres reais são difíceis de encontrar. E, uma vez encontradas, difíceis de largar.

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