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Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

Ensaio sobre a blogueira

A influencer não vê mais sentido em postar, já que ninguém vai ver as curtidas

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A influencer cega por likes acorda tateando sua mesa de cabeceira em busca do celular. Abre o Instagram e, para seu desespero, não consegue ver o número de curtidas das fotos. Só pode ser um pesadelo.

Como quem busca seu reflexo no espelho, a influencer à beira de um colapso acessa o próprio perfil. Sim, é um pesadelo. Seus likes, de fato, sumiram. Não foram roubados ou sugados por um buraco negro virtual. Eles ainda estão ali. Mas ninguém consegue enxergá-los, apenas ela, como se fossem uma alucinação.

Com a visão turva de lágrimas, a influencer em crise existencial não vê sentido em tomar seu bulletproof coffee, já que não vê sentido em postar seu bulletproof coffee, já que ninguém vai ver as curtidas de seu bulletproof coffee.

Ilustração de Silvis para coluna de Manuela Cantuária de 23.jul.2019. - Silvis

Uma influencer sem curtidas é como Buchecha sem Claudinho, Dallagnol sem Moro, Chimbinha sem Joelma. Suas centenas de milhares de seguidores se tornaram inúteis do dia para a noite. Uma horda invisível de plebeus que ganham menos de cem curtidas por foto. Uma horda da qual a influencer decadente agora também faz parte.

Recusando-se a engolir essa súbita preocupação do Instagram com a autoestima de seus usuários, a influencer indignada se lança às margens da deep web para pesquisar o real motivo daquela mudança. E descobre que sua rede social favorita arrumou um jeito de lacrar e lucrar ao mesmo tempo.

Tudo indica que o mercado paralelo de compra e venda de curtidas --que a própria influencer cega por likes ajudava a financiar-- gerava uma quantidade absurda de dinheiro, do qual Mr. Zuckerberg jamais viu a cor. A influencer tomada pela culpa demite seus robôs --também conhecidos como like bots-- repentinamente obsoletos.

A influencer em desencanto decide encontrar outras influencers para pensar em estratégias de sobrevivência. No táxi até lá, ela presta atenção, pela primeira vez, num podcast de notícias chamado rádio FM, e se dá conta de que o país atravessa um período de trevas.

"Ainda não consigo acreditar." De óculos escuros, as influencers enlutadas padecem numa bakery descolada, trocando longos abraços em vez de likes. "É a vingança dos medíocres", lamenta a ex-influencer, cuspindo farelos de ciabatta, rendendo-se ao glúten depois de anos.

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