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Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

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Veto de Bolsonaro à doação de absorventes é a parte suja dessa história

Menstruar não deveria ser motivo de vergonha, nem ferir a dignidade de mulheres em vulnerabilidade

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Na primeira vez que minha menstruação desceu, eu estava sentada no fundo do ônibus, cantando músicas do Claudinho & Buchecha, em uma viagem escolar para Tiradentes. Entrei naquele banheiro sacolejante fedendo a urina seca e minha calcinha parecia uma cena dirigida pelo Tarantino.

Meu único recurso naquele momento era dobrar metros de um papel para secar as mãos da pior qualidade —aquele de cor cinza, com textura de língua de gato— e atochá-lo entre as pernas. Voltei para meu assento. Ainda faltavam horas para chegarmos ao nosso destino.

Tentei, em vão, me comunicar telepaticamente com minhas amigas —talvez tenha assistido a "Jovens Bruxas" demais. Sabia que, se verbalizasse a qualquer uma delas que havia ficado menstruada pela primeira vez, a reação seria efusiva e meu segredo chegaria até aos ouvidos do motorista.

Publicada em 11 de outubro de 2021 - Silvis

Agora, a turma se esgoelava com a música Vampiro Doidão, cuja letra é um besteirol supostamente transgressor quando se é pré-adolescente. "Eu sou vampiro doidão, eu sou vampiro doidão/ Só chupo sangue de menstruação." A euforia dos meninos com aquela estrofe era proporcional ao meu desespero silencioso.

O professor de história estranha o fato de eu estar muito quietinha. Eu preferia ser atropelada por um caminhão de oito eixos a admitir para um homem de meia-idade o que estava acontecendo comigo. Invento que estou enjoada.

Chegamos e fomos direto almoçar. Foi quando um colega de classe, que tinha a charmosa mania de soprar a franja do rosto, me puxa em um canto, demonstrando certa timidez. Pensei que o destino havia sorrido para mim —talvez tenha assistido a comédias românticas demais. Ele me disse que minha calça estava suja.

Suja, era exatamente como me sentia. Essa semana, fui transportada para essa sensação, quando Bolsonaro vetou o Projeto de Lei nº 4.968, de autoria da deputada Marília Arraes, que determina a distribuição de absorventes a meninas e mulheres pobres. Não faço parte dos 26% das mulheres brasileiras que não têm dinheiro para comprar absorventes. No Brasil, as estudantes perdem em média 45 dias de aula por ano por não poderem frequentá-las durante o período menstrual.

A parte mais suja dessa história talvez tenha sido a defesa do veto por ninguém menos do que nossa ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Menstruar não deveria ser motivo de vergonha, nem ferir a dignidade de mulheres em vulnerabilidade.

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