Quem já teve um sonho lúcido sabe do que estou falando. Tudo ao seu redor parece vívido, como as cores amarela e verde da camisa de um bolsonarista agarrado na dianteira de um caminhão em movimento. Você acha estranho, mas segue em frente, com a determinação de um caminhoneiro que dirige quilômetros olhando para a cara de um golpista colada em seu para-brisas.

Mas daí você tropeça em uma cena tão estapafúrdia, tão surreal, que os filmes de David Lynch agora parecem mais claros e coerentes do que uma bula de remédio. Trata-se de um grupo de pessoas ao redor de um pneu, cantando o hino nacional, no meio de uma estrada.

E, quando você se pega tentando interpretar o simbolismo da roda enquanto representação dos ciclos e do constante movimento da vida, é aí que bate aquela dúvida: será que botaram alguma coisa na sua bebida? Ou ainda: será que botaram alguma coisa na bebida desse pessoal?

A segunda hipótese ganha força quando chega até você uma teoria que vem circulando em grupos de WhatsApp, de que a Lady Gaga seria a "primeira-ministra" do Tribunal de Haia e estaria prestes a promover uma intervenção federal no país. Aqui você flerta com a ideia de estar sonhando, mas não vai adiante, certo de que seu inconsciente não seria criativo a esse ponto.

Você é obrigado a dar o braço a torcer. O bolsonarista tem um talento nato para teorias da conspiração. Consegue elaborar em tempo recorde uma narrativa híbrida de gêneros que mistura crime, cultura pop, humor nonsense, política, religião, terror psicológico. Faz sentido? Claro que não, mas a arte bolsonarista não se explica, se sente. E o sentimento que essa arte evoca é o mais puro, risonho e límpido constrangimento.

Em seguida você descobre que pilotos relataram ter visto objetos voadores não identificados em Porto Alegre. Bom, você acredita que existe vida inteligente em outros planetas. Talvez os ETs também tenham ficado intrigados com os estranhos fenômenos acontecendo no sul do Brasil nesse momento.

Saudação ao pneu, saudação nazista, comemoração em clima de Copa de uma prisão que nunca aconteceu. Na dúvida entre sonho e realidade, você se pergunta quem são os negacionistas: você ou eles.